Divórcio entre economia e ética
A expansão da riqueza transformou-se em um fim em si mesmo, e não em um meio para melhorar a qualidade de vida de todos
PUBLICAÇÃO
sábado, 26 de abril de 2025
A expansão da riqueza transformou-se em um fim em si mesmo, e não em um meio para melhorar a qualidade de vida de todos
Luís Miguel Luzio dos Santos
Desde os tempos de Aristóteles, a economia era vista como parte da filosofia ética, mas com o tempo, e a especialização das disciplinas, tornou-se uma ciência autônoma. A partir daí, afastou-se do compromisso com a dimensão normativa, da responsabilidade e do dever para com o bem comum, adotando uma perspectiva positivista, reduzida à geração de riqueza, naturalizando a realidade como se fosse a única possível.
O divórcio entre economia e ética acentuou-se com a sua pretensão de se tornar uma ciência exata, orientada por números e análises objetivas, distanciando-se de sua origem como ciência social e do compromisso com a ética. Passou a pensar o mundo de forma mecânica, desconsiderando as subjetividades que lhe são inerentes e distanciando-se das áreas que lhe dão base, como filosofia, sociologia, história, política e psicologia.
Em A Riqueza das Nações, Adam Smith, pai da economia moderna, enfatiza a ideia de que a prosperidade econômica surge quando as pessoas buscam seus próprios interesses individuais em um sistema de livre mercado. Ele partia da ideia de mercados autorregulados, algo sepultado pela história diante de crises recorrentes. No entanto, a ideologia não morreu, e os grupos mais privilegiados continuam a se opor à interferência externa e a avanços institucionais para promover o bem comum. Que o diga Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, que recentemente apontou como receituário para equilibrar as contas públicas o congelamento de aumentos reais no salário mínimo por 6 anos. Ao querer que o custo do ajuste recaia sobre os mais pobres, apenas demonstra a perversidade do pensamento das elites nacionais.
Sempre que se reduz a economia ao compromisso com a promoção do crescimento produtivo, ignoram-se as implicações sociais e ambientais, num total descaso com a questão ética. A expansão da riqueza transformou-se em um fim em si mesmo, e não em um meio para melhorar a qualidade de vida de todos. O lucro passou a ser legitimado, mesmo às custas da exploração de trabalhadores, destruição do meio ambiente e perpetuação das desigualdades sociais.
Por detrás de toda a discussão econômica, há uma questão valorativa primordial: Que tipo de sociedade se quer viabilizar? Há os que defendem o absolutismo da liberdade individual e da concorrência, considerando o resultado como natural e justo. De forma contrária, há os que priorizam o bem comum, a justiça social e a sustentabilidade ambiental, o que demanda regras para impedir que os mais fortes continuem massacrando os mais fragilizados.
Amartya Sen – economista e filósofo laureado com o Nobel de Economia em 1998 – argumenta que ética e economia não deveriam ser separadas, pois a qualidade de vida das pessoas e a justiça social devem constituir os principais objetivos da economia. Para ele, a economia não se reduz à criação de riqueza, mas trata de como as condições de vida podem ser melhoradas para todos. Segundo Sen, só tem liberdade real quem pode fazer escolhas; do contrário, não passa de tirania dos mais fortes.
A ciência desvinculou-se da ética, e a economia abandonou seu compromisso social. A economia sobrepôs-se à política, enfraqueceu a democracia e ameaça a sustentabilidade em suas diferentes dimensões. O divórcio entre economia e ética tem um custo elevado: vidas humanas exploradas, escravizadas e aniquiladas em nome da maximização de lucros para um grupo cada vez menor.
É fundamental lembrar que toda a riqueza humana é fruto de trabalho coletivo, realizado ao longo de gerações. Distribuir a riqueza e promover a justiça social são formas de mitigar uma dívida histórica, em um mundo que nasceu sem cercas e foi arbitrariamente loteado. Colocar a ética no centro das decisões econômicas é um imperativo inadiável.
Luís Miguel Luzio dos Santos, professor de Socioeconomia e Ética, da UEL
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