Barulho excessivo, festas, animais de estimação e reformas são eventos que comumente acabam por atritar a relação entre vizinhos, sobretudo quando se trata de um condomínio edilício, composto por áreas comuns e por unidades particulares muito próximas. Especialmente durante a pandemia do novo coronavírus, em que as pessoas tendem a permanecer mais tempo em casa, tais incômodos colocam em xeque a política da boa vizinhança.

Apesar de o apartamento ser um bem de uso particular, sobre o qual seu titular tem direito de uso, fruição e disposição, deve-se observar os três pilares essenciais ao direito de vizinhança: sossego, segurança e saúde dos que habitam o prédio. Nesse sentido, o Código Civil é expresso ao dispor que é dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.

Assim, as questões que surgem são: qual o limite tolerável em tais situações? E ainda, quais as medidas cabíveis?

A primeira baliza para mensurar se a conduta do vizinho extrapola o aceitável é analisar o que dispõem a convenção e o regimento interno do condomínio, pois tais normas têm como escopo disciplinar e regular o bom funcionamento do prédio e aplicam-se, sem distinção, a todos que ocupam o edifício ainda que esporadicamente. Ressalta-se que cada condomínio possui sua própria convenção e regimento, que devem estar em consonância com o Código Civil.

O mencionado código é uma segunda baliza para averiguar se a conduta do vizinho fere as regras de boa convivência. Ele define os deveres impostos aos condôminos, dentre os quais se incluem: contribuir para as despesas do condomínio; não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; não alterar a cor da fachada; não dar destinação diversa à unidade autônoma (prédio comercial que o condômino usa como residencial ou vice-versa).

Verificada a infringência às regras prescritas pela convenção, regimento interno ou Código Civil, algumas medidas podem ser adotadas para fazer cessar a perturbação. A primeira delas é o diálogo, seja diretamente ou por meio do síndico. A conversa é o meio mais econômico e acessível para resolver um problema de vizinhança, ainda que ele não tenha efetivamente se tornado uma infração. Além disso, evita a judicialização da questão e o desgaste da relação com o vizinho antissocial, assim denominado pelo Código Civil.

Um segundo passo é a anotação da reclamação no livro de registros de ocorrência do condomínio, o que torna possível uma eventual aplicação de multa ao morador antissocial. Essa penalidade é aplicada observados os limites impostos pelo Código Civil, podendo ser majorada em caso de reiteração do comportamento.

A terceira via, e mais drástica, para compelir ao respeito do sossego, segurança e saúde dos demais moradores é o ingresso com uma ação judicial visando o cumprimento da obrigação pelo vizinho antissocial, sempre instruída com provas do uso nocivo ou inadequado da propriedade e a efetiva perturbação à paz e ao sossego dos demais moradores.

Vale ressaltar que o direito brasileiro, ao contrário de outros países como o Uruguai, não prevê a pena de expulsão com perda da propriedade. Assim, deve-se prezar por uma solução menos belicosa a fim de viabilizar uma convivência condominial, afinal, salvo raras exceções, o vizinho continuará sendo vizinho com ou sem resolução do litígio.

Laurine D. Martins, advogada sócia do escritório Neto Martins Palla Advogados