Imagem ilustrativa da imagem DESAFIOS EDUCACIONAIS - 'Smartphones representam grande potencial para a educação'
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Proibir o uso de smartphones nas escolas tem se mostrado uma norma contraproducente de proteção da educação. Enquanto alguns Estados propõem legislação contrária ao uso de dispositivos móveis nas salas de aula, com o argumento de que os equipamentos podem representar uma forma de distração para os alunos, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) prevê o uso consciente do aparelho como potencial recurso de aprendizagem.

Smartphones, redes sociais e outras tecnologias foram citadas pelo educador Pasi Sahlberg, que ocupou cargo no Ministério da Educação da Finlândia, como potenciais responsáveis pela queda do país no ranking do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Em 2001, a Finlândia era a campeã em leitura e estava entre os cinco melhores do mundo em matemática e ciências. Após 17 anos, o programa colocou o País na 13ª posição em matemática, 5ª em ciência e 4ª em leitura. O Brasil ocupa a 65ª posição entre 72 países.

Os desafios propostos pelas tecnologias fazem parte do debate nos sistemas educacionais de todo o mundo. No contexto brasileiro, há ainda outras divergências, como carência de instrumentos nas escolas. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a professora Liane Tarouco defende que o aluno tem que ser preparado para utilizar a tecnologia em diversas áreas do conhecimento. Ela alerta, no entanto, que a qualidade do uso depende não só da escola, mas também dos pais. "Se o filho vê em casa os pais lerem jornais, comentarem notícias, eles vão também fazer a mesma coisa. Agora se eles não veem os pais fazendo isso, vão por um outro caminho em termos de acesso à internet e tecnologia da informação e comunicação", aponta.

Os dispositivos móveis ajudam o processo de aprendizado?
Podem ajudar e atrapalhar. Atualmente, o maior temor dos professores é que eles atrapalhem por constituírem um elemento com potencial de distração para os alunos. Estudos da Califórnia mediram o tempo que uma pessoa concentrada em uma tarefa levava para voltar ao mesmo estado de concentração e produtividade após ser interrompida por um alerta de mensagem. O tempo médio foi de 25 minutos. Ou seja, a pessoa não se desvia do que está fazendo e volta rápido para o contexto, ela já vai olhar outra mensagem, exigir uma resposta, fazer outra coisa com o computador, com o celular, porque vai estar com aquele recurso na mão.

Esse é o grande obstáculo atual, tanto é que em vários Estados do Brasil há legislação específica proibindo o uso de celular em sala de aula. Professores reclamam que não conseguem manter a atenção dos alunos. Esse é o ponto negativo.

Por outro lado, os dispositivos móveis representam um grande potencial para a educação. Eu estive verificando a Base Nacional Curricular e o termo "tecnologia da informação" aparece inúmeras vezes. Ali, a gente vê potencial, por exemplo, na área da preparação, prontidão do estudante para a escrita, para a linguagem.

Hoje nós temos o movimento 2.0, em que o indivíduo não é mais apenas um consumidor de informações, ele é um produtor. O celular na mão permite rapidamente produzir um texto, uma manifestação ancorada e respaldada em outros pareceres, opiniões e consultas. Aquilo que a gente fazia quando não existia o celular, que é fazer uma pesquisa em livros na biblioteca, na enciclopédia, representava o grande elemento para promover essa base de suporte para que se pudesse emitir uma opinião, um conceito, não baseado em achismo, mas baseado em todo conhecimento que a humanidade já desenvolveu. Aquilo era lento, caro, nem todas as famílias podiam ter. Hoje está ao alcance da mão e a gente se acostumou a ter esse saber sempre à disposição, às vezes até em uma conversa casual.

A própria BNCC sugere que é importante usar essas novas formas de interação de compartilhamento de textos. Mesmo em áreas em que a gente não imaginaria, como a arte. Antigamente a gente tinha, com sorte, uma filmadora na escola ou uma máquina fotográfica, que tinham que ser passadas de mão em mão para documentar uma pesquisa em campo, uma visita a um museu ou a qualquer outro lugar. Agora não, agora nós vamos ter N filmadoras e máquinas fotográficas, porque o aluno de 9 aos 17 anos já tem celular, segundo as pesquisas do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Ele está pronto e rápido para fotografar e filmar tudo.

Como incluir pais e professores na promoção do uso seguro e saudável das tecnologias?
Envolve as APMs (Associações de Pais e Mestres), que devem promover oficinas, trazendo os pais para a escola, contando os fatores positivos e os riscos, porque o uso ingênuo da tecnologia tem muitos riscos que os pais, às vezes, não sabem. A escola é um importante difusor de conhecimento. Eu apostaria na escola como elemento disseminador deste conhecimento através de oficinas. Tem todo um leque de opções apoiados pela tecnologia para disseminar a própria tecnologia em seu uso para o bem e precauções para que não seja para fins ilícitos, agressivos ou maldosos.

Os professores estão preparados para o uso consciente?
Em parte, sim. Quando a gente olha a pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, percebe pelas respostas dos professores que há sensibilização para proteções, seguranças, antivírus, os professores conhecem e instalam, os próprios alunos conhecem. Quando se perguntavam aos alunos se eles instalavam os mecanismos de proteção, se eles sabiam como configurar redes sociais para bloquear pessoas, um bom percentual respondeu que sim, mas naturalmente a tecnologia evolui muito rápido e a parte perigosa, mal intencionada, também.

Como o Brasil aplica políticas públicas para que os celulares sejam utilizados como recurso na sala de aula?
Todo esse incentivo ao uso da tecnologia já existia nos planos curriculares, mas não era assim tão evidente. Uma vez que agora está colocado na Base Nacional Comum Curricular, deve mudar para a melhor. Mas eu diria que não, o Brasil não tem políticas públicas. Tanto é que a gente olha nas estatísticas e percebe que entre as escolas que têm conexão com a internet, apenas por volta de 15% permitem o acesso do wi-fi aos alunos. Os alunos usam o celular na escola, mais de 60%, mas através do 3G e no recreio, quando não estão em sala de aula. A rede wi-fi não é permitida para os alunos e sim para os professores e funcionários.

Existem dois motivos para isso: o primeiro é a banda insuficiente da escola, provavelmente, a velocidade de conexão é baixa e haveria um congestionamento, lentidão geral se todos pudessem se conectar na rede wi-fi. O segundo ponto é a questão de responsabilidade civil, se a escola não tem conhecimento, equipamento para montar um bom firewall, e os alunos dentro da escola acessam dados inapropriados ou são afetados por eles, a escola poderia ser responsabilizada.

Em países mais avançados, onde essas tecnologias de firewall já estão corriqueiramente implantadas e com boa qualidade, o uso do tablet, por exemplo, é uma realidade. O Brasil é um país pobre, onde o uso da tecnologia é restringido por falta de orçamento, por falta de banda passante, por falta de conhecimento para instalar uma rede segura, isso dificulta. Eu diria que essa é uma parte que o Brasil tem enormes carências.

É possível o Brasil ter acesso igualitário a essas novas tecnologias?
O acesso em si, sim. Hoje a gente percebe que a população jovem tem celular, usa o celular, mesmo os de classe econômica mais baixa, mas o que faz um diferencial e que entristece é o fato de que o uso dessa nova tecnologia é diferente nas diferentes classes, mesmo entre países. Vi recentemente uma estatística que mostrava que brasileiros são fortes usuários de internet, 22 horas por semana, ao passo que outros países, países nórdicos, por exemplo, ficam uma quantidade de horas semanais inferior.

Mas o que os brasileiros faziam e o que as pessoas dos países nórdicos faziam é o que marcava a diferença. Eles liam mais jornais, livros, já os brasileiros leem muito pouco, não se informam, veem vídeo, utilizam redes sociais, escrevem, mas escrevem mal, abreviado, que hoje é a nova língua da internet. Esse acesso igualitário é uma meta, é claro, mas é preciso mudar hábitos de acesso à informação que está disponível no mundo da internet.

E isso é importante, é necessário. É complicado, porque o estímulo precisa vir também de casa, não é só a escola que pode mudar isso. Se o filho vê em casa os pais lerem jornais, comentarem notícias, eles vão também fazer a mesma coisa. Agora se eles não veem os pais fazendo isso, vão por um outro caminho em termos de acesso à internet e tecnologia da informação e comunicação.

Quais seriam as orientações para que o uso de tecnologia na educação fosse mais vantajoso que prejudicial?
Os professores precisam ter um bom elenco de recursos. Alguma coisa eles vão fazer, eles são autores de artefatos digitais que vão propor aos alunos, porque hoje em dia eles já têm ferramentas de autorias de fácil uso, mas eu diria até injusto pensar nos professores como as únicas fontes desses recursos, porque eles dão tantas horas de aula por semana que eles não têm tempo.

Como a sra. analisa a aplicação da tecnologia na educação, considerando o contexto nacional hoje?
Sou entusiasta do uso da tecnologia na educação. É a minha área de pesquisa, eu formo futuros professores para que eles sejam usuários bem-sucedidos em termos de conseguir que seus alunos aprendam mais e melhor. Acredito que a tecnologia é um catalisador de aprendizagem. Ela tem um potencial que ainda está aquém, não está explorado. Aumentar o uso da tecnologia como recurso educacional é favorável, mas tem que ir com cuidado, tem que estar consciente de que tem risco, mas a direção é essa.