Pesquisa realizada pelo Datafolha no final de dezembro, revelou que 69% dos brasileiros dizem preferir a democracia a outro regime político. A princípio, o resultado pode parecer positivo, mas, visto por outro ângulo, é preocupante pensar que, em um país que passou por uma ditadura de 21 anos há relativamente pouco tempo e enfrentou ameaças recentes de golpe de Estado, 31% da população seja simpática ao autoritarismo.

O Brasil tem um histórico de ditaduras em que a força das armas se apropriou da nação. As consequências foram sempre trágicas: cassação de direitos civis, políticos e sociais; censura à imprensa, à cultura e às manifestações populares; prisões arbitrárias, tortura e assassinatos. Além disso, a concentração de renda se aprofundou, o descaso com as populações mais vulneráveis se acentuou, a dívida externa tornou-se a maior do mundo e a inflação disparou.

Atualmente, o Brasil é considerado uma democracia, mas de baixa intensidade. O apreço pela participação política é reduzido, e a valorização dos direitos fundamentais e a ideia de bem comum, está longe de ser um consenso nacional. Como diz Marilena Chauí: somos uma nação hierárquica, violenta, autoritária, machista, homofóbica e aporofóbica (aversão aos pobres). O país permanece dividido entre os privilégios dos grandes e as carências dos pequenos.

Uma pesquisa realizada pelo think tank International IDEA, que analisa democracias em todo o mundo com base em indicadores como liberdades civis, independência judicial e participação política, constatou que quase metade dos países vive um declínio democrático. Os alicerces da democracia estão se enfraquecendo devido à invasão do poder político pelo econômico; crescimento de candidaturas populistas; disseminação de fake News; restrição de direitos e falta de independência entre os poderes. Soma-se a isso o déficit de educação política, considerando que grande parte da população não consegue diferenciar postulados ideológico e vota em candidatos cujas propostas contrariam seus próprios interesses.

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram dois livros seminais para entender a atual crise dos regimes democráticos em todo o mundo: "Como as Democracias Morrem" e "Como Salvar a Democracia". Alguns dos sinais de corrosão encontrados por eles: 1) o autoritarismo de políticos incapazes de conviver com regras e normas pré-estabelecidas, que buscam eliminar qualquer posição contrária; 2) a recusa em aceitar os resultados eleitorais, contestando o sistema eleitoral e as urnas, sem qualquer prova de fraude. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência, mas ameaça concreta.

Para os autores as democracias pressupõem que alguns domínios devam ser protegidos por meio da Constituição Federal, de forma que o governo eleito não possa usar as maiorias para obstaculizar a competição justa e deixar de proteger minorias. Os governos eleitos não podem utilizar essas maiorias para se entrincheirar no poder, aprovando leis que enfraqueçam os oponentes ou prejudiquem a competição justa, prática vivida em países como Venezuela, Rússia, Turquia e Hungria. Por isso a importância de barreiras para impedir reformas constitucionais oportunistas.

O historiador Leandro Karnal esclarece que a democracia não é um sistema onde todos são éticos, mas onde os não éticos podem ser punidos e substituídos; tampouco é aquele que assegura os melhores quadros, mas está aberto a ajustes permanentes. A democracia não garante o paraíso na Terra, mas impede que o inferno se instale. Não há denúncias de corrupção nas ditaduras, pois a honestidade se impõe como farsa.

Luís Miguel Luzio dos Santos – professor da UEL