Delfim Netto





Um pouco mais de coragem (3)
Dando sequência aos comentários das duas últimas semanas sobre as perspectivas da economia para o ano 2000, creio que o resumo da história é que o governo está precisando de uma injeção de coragem para libertar-se da influência paralisante dos interesses dos mercados financeiros e passar a dar prioridade aos problemas do setor produtivo da economia. Não importa o fato de estarmos no final ou no começo do milênio, o que importa é que a retórica antidesenvolvimentista se esgotou e a sociedade quer o crescimento já. Nos primeiros 80 anos do século que está terminando a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo ocidental. Depende de nós (e dos governos que elegermos) repetir esse resultado.
Todos estamos de acordo que temos enormes carências nas áreas da educação e saúde, mas é falso o argumento segundo o qual o desenvolvimento só será possível após resolver esses problemas. Que povo foi aquele que construiu a oitava economia no século 20? Então, o que se vem discutindo é um falso dilema. Temos que corrigir a injustiça social, precisamos investir fortemente em educação e saúde. É evidente, porém, que os resultados serão muito mais rápidos se a economia estiver crescendo com vigor e as pessoas trabalhando e não no desemprego e na miséria que só fizeram aumentar, enquanto discutíamos academicamente como resolver os problemas sociais.
Um outro capítulo dessa estéril discussão se refere ao relacionamento do Executivo com o Congresso. Nos últimos quatro anos e meio a sociedade foi convencida – pela extraordinária retórica do Executivo – que o Legislativo era o culpado pela eternização dos problemas. Era o Congresso que não queria fazer as reformas que iam permitir melhorar o sistema tributário ou resolver os problemas da previdência. Neste final de ano caiu a máscara e todos puderam perceber que era o Executivo que não queria as reformas porque teme reduzir a sua participação no bolo tributário. A reforma fiscal, por exemplo, iria restringir a liberdade que teve o governo todos esses anos para ampliar a carga tributária em 4% ou 5% do PIB, recorrendo ao aumento de contribuições que a União recolhe sem ter que repartir com Estados e municípios.
A Câmara dos Deputados está votando os capítulos da reforma tributária, a despeito do esforço do governo para desnaturá-la. E o andamento da reforma da previdência emperrou porque o Executivo tentou atropelar a Constituição e o Supremo Tribunal, ao insistir na contribuição exagerada dos inativos. Essas reformas são necessárias para desonerar o setor produtivo da economia e reduzir o déficit fiscal do governo, mas é um desserviço à democracia insistir em dizer que o Congresso não faz a sua parte. Erra o presidente da República quando se vale de seu amplo acesso à mídia para diminuir a atividade parlamentar, quando na realidade é no Congresso que está a representação do povo brasileiro, com suas virtudes e defeitos. Recentemente o presidente da Câmara Federal, deputado Michel Temer, teve oportunidade de mostrar na coluna da jornalista Teresa Cruvinel, no ‘‘O Globo’’, que somente na atual sessão legislativa passaram pelas comissões, e pelo plenário da Casa, 400 projetos.
É no Congresso que se refletem os anseios do povo brasileiro que deseja o fim da estagnação econômica e a retomada do desenvolvimento. Estou convencido que o crescimento é possível já no ano 2000 e, mais ainda, que há muito tempo não temos condições tão favoráveis como as que existem hoje. O quanto vamos crescer depende de nós e da capacidade operacional do Executivo que, infelizmente, tem se mostrado aquém do desejável. Acredito, porém, que isso pode melhorar depois que a economia se libertou do que tinha de pior, que era o câmbio sobrevalorizado e a maior taxa de juros de que se tem notícia na história do País. Podemos crescer porque nos libertamos de uma patifaria que não existiu na história de outro país num período tão longo e por pouco não destruiu o que ainda temos de melhor: o setor produtivo e o emprego de seus trabalhadores.
- ANTONIO DELFIM NETO, é deputado federal pelo PPB-SP