Os resultados eleitorais em todo o Brasil configuraram um painel onde se pode vislumbrar alguns contornos básicos que deverão nortear o País daqui por diante. Qualquer sociólogo que se debruçar sobre estes números verá com muita clareza que a sociedade verde-amarela adquiriu novas tonalidades, mais coloridas e menos carrancudas. O que não significa, necessariamente, algo melhor, afinal, é preciso um pouco mais de tempo. Mas certamente é algo diferente.
Nenhum cientista político seria capaz de imaginar, há pouco mais de trinta dias, que o PT disputaria em Curitiba o segundo turno das eleições, voto a voto, com o PFL. Que variáveis estatísticas seriam capazes de prever a vitória petista em Ponta Grossa, Londrina e Maringá? Na verdade, a sensação que se tem é que há, além dos aviões, algo de novo no ar.
Esta votação, no entanto, não significa – nem aqui como em outros Estados – que o crescimento do PT seja resultado exclusivo de seus méritos próprios. O que se sucedeu foi uma aglutinação dos descontentes numa enorme frente partidária. Qualquer que fosse o candidato, em determinadas situações, conseguiria atrair toda a oposição para sua raia.
Mas um recado soou muito claro: a sociedade quer mudanças. É possível que uma parcela substancial ainda não saiba muito bem o quê ou como devem ser estas transformações, mas definitivamente sabe que mudar é preciso. Aliás, a democracia é um processo de aprendizado lento e constante. Houve um tempo em que os donos do poder diziam que o povo não sabia votar, razão pela qual as elites fizeram o ‘‘sacrifício’’ de governar o País em nome da maioria. Com a abertura ‘‘lenta e gradual’’ oferecida pelo regime militar, a tigrada começou a exercitar sua cidadania, a mostrar sua cara, a manifestar mesmo que timidamente sua insatisfação com os donos da corte. O fim do período de exceção trouxe de volta a democracia e com ela a plena liberdade de manifestação e expressão. Exatamente o que povo acaba de fazer em todo o Brasil.
A partir destas eleições, o Paraná também não será mais o mesmo. A geografia política tem novos contornos e a correlação de força entre governo e governados – aqui já incluídos os novos prefeitos – poderá não ser tão leal quanto nos primeiros anos.
A política é uma arte cruel e por isso os que a exercitam muitas vezes fazem uso dos velhos ensinamentos do mestre Maquiavel. Qualquer governante medianamente experimentado sabe que a adversidade de resultados é o primeiro sintoma que a nau pode estar a pique; daí para o desembarque é apenas uma questão de tempo.
Em política não há lealdade ou fidelidade – o que prevalece é a lei da sobrevivência. O grupo capitaneado pelo governador Jaime Lerner tinha a mais absoluta certeza que a vitória do prefeito Cassio Taniguchi viria no primeiro turno, como se sucedera nas vezes anteriores. É inegável que o governador exerce sobre Curitiba uma enorme influência. Afinal, ele foi três vezes prefeito e é o maior responsável pelas mudanças estruturais que transformaram a cidade num parâmetro de qualidade de vida e bem-estar social. Só isto é capaz de justificar os resultados anteriores, quando tanto Rafael Greca como Cassio Taniguchi, em sua primeira eleição, foram vencedores no primeiro turno. Além dele, Lerner, que se elegeu governador nas duas ocasiões sem necessidade de segundo turno.
Neste instante, apesar da reeleição de Cassio Taniguchi, o céu não está ‘‘de brigadeiro’’. Algumas nuvens negras rondam às cercanias do Centro Cívico e a qualquer momento pode desabar uma grande trovoada. Há quem diga que o governador Jaime Lerner sempre teve preferência pelas pranchetas, réguas e esquadros do que pela arte de dialogar e dialogar – algo imprescindível a qualquer político. Outros afirmam que os áulicos de plantão se preocuparam muito mais em enaltecer as virtudes do governo do que apontar os fracassos, aliás, algo tão normal e comum em qualquer administração. A verdade é que o governo Lerner está desgastado e vive – há algum tempo – um período de inferno astral. Os resultados destas eleições falam por si só.
Sem dúvida que o período restante à sucessão pode reverter o desgaste político típico dos que são governos. No entanto, é preciso ler e entender o que dizem as urnas e as ruas; nas entrelinhas está a fórmula. A vitória muitas vezes embriaga e exalta, não dando margem às lições de sabedoria; enquanto a derrota pode fortalecer e enaltecer o que parecia adormecido.
O lendário boxeador Rock Balboa costumava dizer que, ao final de um assalto, quando recebia um cruzado certeiro o que restava era ‘‘assimilar o golpe, engolir a dor e mirar firme o adversário. Mas nunca dar mostras de fraqueza’’. Sem dúvida, uma sábia lição a ser aplicada.
- RENÉ RUSCHEL é economista em Curitiba
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