“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”. Essa frase, que muitos já atribuíram ao advogado Sobral Pinto, e grande parte acreditou ser de Voltaire, na verdade pertence a Evelyn Beatrice Hall, que escreveu a biografia de Voltaire.

O conceito acima, que muitos podem não concordar, está alinhado à ideia de liberdade de expressão, que se apresenta como Princípio Fundamental Constitucional, expressamente previsto no inciso IV do art. 5º, bem como no caput do artigo 220 da Constituição Federal.

E o que há de novo nisso? Nada, até porque isso já estava previsto no artigo 179 da nossa Constituição monárquica – que já fazia a ressalva pela responsabilização por abusos, replicado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (de 1948).

Tivemos momentos de censura nas Constituições de 1934 e 1937, mas a Constituição do período militar, de 1967, estabelecia a completa liberdade de expressão (a despeito de se tratar, à época, de um engodo).

E tudo estaria perfeitamente calmo, não fosse o indigitado Projeto de Lei 2.630/2020, já conhecido como Projeto das Fake News.

Pela análise do texto do projeto, passa-se a impressão de que o mesmo tem apenas o intuito de zelar pela segurança das redes sociais e de informações da internet. O próprio artigo 3º do projeto enaltece a necessidade de respeito à liberdade de expressão.

Contudo, o seu artigo 26, que prevê a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet, composto por 21 membros indicados, mostra os dentes do intento legislativo.

Dizer-se que existe direito constitucional de liberdade de expressão, mas que essa liberdade venha a ser regulada por norma infraconstitucional, que a própria Constituição não prevê, já se mostra como um dissenso. Até porque regular liberdade é o mesmo que dizer que liberdade não há.

Pior ainda quanto 21 pessoas “indicadas” dirão ao país o que será certo ou errado para essa “liberdade”.

A propósito de liberdade, o italiano Norberto Bobbio já ressaltava a diferença entre a liberdade positiva (liberdade “de”) e a liberdade negativa (liberdade “desde que”), o que convergia com a teoria de Oppenheim. Mas isso não significa, no conceito de liberdade negativa, que a pessoa esteja proibida de fazer algo. Tão somente que poderá ser responsabilizada.

O próprio Código Penal não proíbe nada. Apenas estabelece a penalidade para quem praticar atos que sejam tidos como ilegais. Somos livres até para fazer o mal. A sociedade não pode ser um pan-óptico, e não estamos em um zoológico de Foucault.

Fato é que, pelo texto do projeto de lei, não se apresenta censura prévia. Mas a hipótese de poder ser penalizado por determinada manifestação, cujo conteúdo será definido como correto ou incorreto por pessoas que sequer têm preparo a tanto, irá desestimular a propagação de ideias, já que o governo do momento irá paramentar esse conselho com pessoas que pensem como ele deseja - por mais absurdas que possam ser essas ideias.

Mas isso não é novo. A busca pelo controle do que se pode ser dito acompanha nossa sociedade há milênios. Basta lembrar do exemplo mitológico do suplício de Tântalo, punido por Zeus por falar demais – não que estivesse mentindo.

Stalin já monitorava as cartas dos cidadãos, para verificar quem era divergente do sistema, o que até hoje se denomina de zloupotreblenie vlasti. Criar um mecanismo de controle, além de nada recomendável, pode mostrar-se extremamente perigoso.

O que pode surgir desse conselho poderá ser muito próximo ao que ocorre atualmente na China, relativamente às redes sociais. O próprio Putin, que relutava em controlar a internet, cedeu à tentação e fez com que as redes sociais fossem controladas pelo governo.

Nosso sistema legal já possui meios de responsabilização por abusos e excessos das redes sociais e da internet. E já possuímos o Poder Judiciário, ao qual cabe apreciar processos decorrentes de atos ilegais e lesivos, com pessoas capacitadas a tanto. E o Ministério Público possui ferramentas para o combate à desinformação.

Contudo, criar mecanismos que possam relativizar a liberdade de expressão, a pretexto de combater a disseminação de informações falsas, parece por demais falacioso.

O combate ao que se entende por fake news – a despeito desse anglicismo, já ocorria na idade média. E Galileu Galilei morreu na prisão porque ficou proibido de divulgar o que, sequencialmente, mostrou-se a realidade. E, por esse mesmo motivo, Giordano Bruno morreu na fogueira.

O pensar é livre, e livre deve ser, irrestritamente, a manifestação desse pensamento. E aos que se excedem, a agnoiologia e agnotologia estão aí pra isso. Se alguém prefere pensar que a terra é plana, e que os dinossauros não existiram, bom para eles.

E sobre ignorância e excessos, vale lembrar Mark Twain, que dizia que “todos somos ignorantes, apenas sabemos coisas diferentes”. Ou Marx (o Groucho), contraditado, que afirmava que “eu não posso dizer que não discordo de você”. Ou vice-versa.

Roberto de Mello Severo, advogado.