Há 520 anos vimos adotando heróis para o comando dessa nação "descoberta por acaso". No passado os admirávamos pelos seus trajes pitorescos, suas espadas reluzentes, seus olhares altivos e rostos plácidos, retratados nos livros de história.

Com o passar do tempo e com o conhecimento fomos percebendo que a maioria deles, não só os pioneiros, mas os que foram despontando no correr do nosso aprimoramento social não eram exatamente os semideuses que imaginávamos. A figura do herói é arquetípica, ou seja, constitui-se em nosso imaginário como um modelo de alguém possuidor de atributos excepcionais, capaz de dar soluções a problemas de dimensões épicas, contra os quais nosso mirrado esforço não surtiria efeito.

O tempo correu e os nossos bravos heróis nos decepcionaram tantas vezes que gradativamente perderam a dimensão hercúlea sobre nosso imaginário. Hoje somos - nem todos obviamente - poucos propensos a idolatrá-los, mas, ao contrário os criticamos e lhes apontamos as falhas. Ao nos tornarmos pragmáticos, calculistas, frios em nossas análises e livres em nossas críticas, destruímos a conotação épica dos nossos pseudos heróis, os quais olhamos hoje por trás das lentes concretas dos fatos. Assim nossos mitos vão caindo um a um, destituídos que foram dos seus poderes sobre nosso inconsciente.

Já não basta ter o poder instituído, não basta ser o dono das espadas, não basta ter a força coercitiva. O atributo maior das figuras de poder na atualidade é a capacidade de ouvir a voz do povo e estar afinado com ele; é reconhecer-se como escolhido para liderar, não para tomar decisões unilaterais, arbitrárias e arrogantes. Pior ainda é o que faz de conta que está com o povo, mas o trai favorecendo a si próprio e a um restrito séquito, enriquecendo-o ilicitamente.

Bem, a carruagem do tempo foi andando e chegamos aos dias inglórios de uma pandemia patrocinada por um vírus que emergiu no extremo Oriente e grassou sobre a terra, ceifando milhares de vidas em outros países. Por enquanto nos contamos dentre os sobreviventes, mas até quando?

Aflitos, olhamos ao redor e não vemos o herói verdadeiro, aquele que nos conforta e nos assegura de que somos um corpo unido e que juntos venceremos. Surgem cisões entre ciência e política, entre vida e economia. Muitos cidadãos se desorientam e perdem o sentido da lateralidade, esgueirando ora à esquerda, ora à direita. A sensação é de que perdemos o timão da nau e ela está desgovernada, propensa a afundar. Salve-se quem puder!

Particularmente prefiro não acreditar nessa possibilidade e confiar nas instituições, na adoção de medidas fundamentadas tecnicamente e não em arroubos arbitrários. A economia clama; a saúde idem! As políticas interna e externa oscilam e a incerteza cresce. É necessário conciliar o discurso entre o técnico e o político. Nem à água, nem ao fogo! A vida de cada cidadão é insubstituível e por isso esperamos que nossos "heróis" saiam de seus gabinetes, ministérios, parlamentos e se unam ao povo na "ágora" e unidos decidam a melhor via... antes que nos ocupemos apenas em cremar corpos de milhares de vítimas e chorar nossa tragédia.

Jair Queiroz (psicólogo e acadêmico de Direito) - Londrina