Convivência humana com a fauna: está na hora de falarmos sobre lixeiras
O contato com resíduos humanos expõe os animais a alimentos inadequados, doenças e objetos perigosos
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 04 de junho de 2025
O contato com resíduos humanos expõe os animais a alimentos inadequados, doenças e objetos perigosos
Ana Paula Vidotto Magnoni
Londrina é uma cidade privilegiada por abrigar áreas verdes urbanas que ainda sustentam espécies da fauna silvestre. Macacos-prego, gambás, aves e até pequenos répteis circulam por parques, praças e bairros vizinhos a fragmentos florestais. Mas junto com essa riqueza natural, crescem os desafios da convivência entre humanos e animais em espaços urbanos.
Entre esses desafios, um dos mais visíveis – e menos discutidos – é o acesso da fauna ao lixo doméstico e público. Animais revirando lixeiras e sacos de lixo não são apenas uma imagem rotineira; são o reflexo de um problema estrutural: os resíduos estão facilmente disponíveis e as lixeiras atuais não foram pensadas para uma cidade que compartilha o território com a fauna.
O contato com resíduos humanos expõe os animais a alimentos inadequados, doenças, objetos perigosos e até interações agressivas com a população. E mais: esses comportamentos se perpetuam, pois são aprendidos e transmitidos entre os grupos. O que começa com um macaco curioso termina com bandos inteiros frequentando rotas de coleta de lixo, colocando em risco os próprios animais e as pessoas.
A solução existe e já foi aplicada com sucesso em outras cidades e países: lixeiras anti-fauna. Em diversos países, especialmente aqueles com forte presença de fauna em áreas urbanizadas, como Canadá, Estados Unidos, Austrália e partes da Europa, o uso de lixeiras anti-fauna é uma política pública consolidada.
Nessas regiões, a convivência com animais como ursos, guaxinins e aves exigiu soluções que evitassem tanto o contato direto quanto a dependência alimentar dos animais em relação ao lixo humano. As lixeiras são projetadas com mecanismos de travamento automático, tampas de pressão, estruturas reforçadas e até sistemas inteligentes que registram tentativas de abertura.
Essas medidas vêm acompanhadas de campanhas educativas e regulamentações que proíbem a alimentação intencional da fauna, mostrando que a combinação entre tecnologia, educação e regulação pode reduzir drasticamente os conflitos e proteger tanto os animais quanto as pessoas. Londrina, com sua biodiversidade urbana singular, tem condições de seguir o mesmo caminho.
Como coordenadora do Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal da UEL (Universidade Estadual de Londrina), venho acompanhando há anos o comportamento dos macacos-prego que vivem no Parque Arthur Thomas e em outros fragmentos urbanos. Vemos, na prática, os efeitos da alimentação antrópica sobre seus padrões de movimento, saúde e bem-estar. Já passou da hora de incorporarmos essa discussão nas políticas públicas de manejo urbano.
Investir em lixeiras seguras é uma ação concreta de conservação e saúde pública. É reconhecer que a cidade não é só nossa – e que a responsabilidade pelo convívio é inteiramente humana.
Ana Paula Vidotto Magnoni, professora do departamento de Biologia Animal e Vegetal do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
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