Sempre fiquei “invocado” com a maneira como os médicos que eu via trabalhando faziam diagnósticos: escutavam com paciência o paciente contar sua história, murmurando hum, hum, hum... e alguns já diziam: é sarampo ! Outros levavam um pouco mais de tempo examinando com cuidado o paciente e terminavam dizendo: pode levar para o centro cirúrgico, é apendicite ! E pior que era!

Quando entrei na faculdade de medicina, logo nos primeiros anos, errei vários diagnósticos familiares. Mandei uma prima ao gastroenterologista por úlcera péptica e era gravidez, mandei uma tia para o clínico por hepatite e era cálculo biliar. Errei muito mais em discussões de casos simulados e pensei comigo: como estes “caras” fazem isto sem errar tanto quanto eu?

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Percebi que tinha que aprender acompanhando e olhando com atenção os mais velhos agirem e ao mesmo tempo tentar fazer eu mesmo os diagnósticos. Foi um trabalho insano até aprender que teria que resumir a longa história e o exame físico com dados objetivos e consultar o meu cérebro para constatar se já eu havia visto algo semelhante ou parecido para fazer uma lista do que poderia ser. Mas aí gente, eu já estava no internato, naquele tempo sexto ano! Menos de um ano para se formar e ir trabalhar, a opção mais óbvia.

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Por sorte, a minha insegurança se ancorou na residência em clínica médica, recém-criada no Hospital de Clínicas em Curitiba. Tive mais sorte na minha vida, pois comecei a residência ”calibrado” que fui por um grande médico chamado Joachim Graf do qual fui admirador e aprendiz em um estágio extracurricular no Hospital Evangélico de Curitiba. Foi um modelo de médico e homem para mim. Aprendi vendo e imitando. Mas infelizmente, diferente de procedimentos, os processos mentais não podem ser imitados e treinados deliberadamente, a não ser que sejam explicitados pelo mestre, o que é muito difícil de ocorrer porque são intuitivos, portanto, inconscientes, ignorados pelo próprio professor.

O primeiro ano de residência é sempre um inferno pois vocês não sabem o suficiente, pela responsabilidade que lhes põem nas costas, porém é aí que se molda o profissional. Somente a partir do segundo ano de residência que fui “cair em mim” e entender qual era o “processo” do diagnóstico. Foi quando eu me senti mais seguro e já errava menos.

Porém, devo admitir, que fui aprender diagnóstico clínico e a raciocinar de verdade com o Dr. Altair Mocelin que havia sido meu orientador na residência e com o qual vim trabalhar em Londrina. Foi com ele que aprendi a sintetizar e sistematizar os casos e discutir cada um deles, o que tornou o processo mental mais evidente. Tornou-se um hábito praticar deliberadamente e criar uma disputa saudável, um servindo ao outro como “segunda opinião” hábito que durou por muitos e muitos anos. Passaram -se muitos anos até que eu me sentisse seguro para discutir casos com propriedade e atender meus pacientes com segurança.

E por que tudo isto?

Em parte, porque não há em nenhum curso de medicina do Brasil um curso estruturado de raciocínio clínico. Muitas etapas poderiam ser queimadas nos primeiros anos, tornando o processo mental mais evidente, se um curso de raciocínio clínico fosse implantado já’ no primeiro ano de medicina e que, de maneira progressivamente mais complexa, transpassasse o curso de medicina até o internato.

Não se enganem, na falta de uma educação sistemática em raciocínio clínico, todos vamos aprender, mas da maneira mais difícil, retrógrada e demorada possível.

Pedro Gordan, médico, professor emérito da UEL

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