Trago um texto bíblico que vale a pena ler e reler. Trata-se de 2 Timóteo 4. O seu escopo não é especificamente para cristãos, porquanto traz implicações existenciais que ajudam qualquer ser humano a se posicionar perante a vida, sobretudo no seu final. A passagem refere-se a Paulo de Tarso que marcou de forma decisiva a história do cristianismo pela sua visão larga do projeto de Deus e pela forma como abriu ao Evangelho as portas do mundo greco-romano.

Mas, para além disso, deixou aos cristãos de todas as épocas um impressionante testemunho pessoal de compromisso total com Jesus e com o Evangelho. Embora existam dúvidas sobre a autoria da Carta, interessa-nos sobremaneira o conteúdo. Há uma avaliação extremamente positiva da maneira como Paulo viveu: “combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé”. Ora, sabemos muito bem que a vida deste convertido ao cristianismo não foi propriamente um mar de rosas! Ele menciona noutras ocasiões que foi alvo de perseguições, atentados, agressões e escárnios, por causa do Nome que anunciava. Portanto, uma existência repleta de adversidades.

Não existirá nada melhor do que chegar ao fim da vida concluindo que ela valeu a pena e que legamos ao futuro uma marca indelével, capaz de transformar mentes e corações. De fato, “não viemos a esta vida a passeio”! Não passamos por ela! No entanto, salvo raríssimas excepções, a maioria absoluta dos terráqueos tem a sua vida marcada por sofrimentos e dificuldades. É, poderíamos dizer, um vale de lágrimas! Uma boa parcela dos nascidos já encontra à partida obstáculos quase que intransponíveis, inerentes à realidade familiar e social do ambiente em que abrem pela primeira vez os seus olhos. Sua existência será um permanente combate! Uma peleja de sobrevivência! Há uma expressão portuguesa que eu aprecio: “dos fracos não reza a história”! Ela se entrelaça com outra bem conhecida dos leitores: “tem gente que mata um leão por dia”!

Paulo ensina-nos que o segredo de uma existência profícua e agradável está acima de tudo no sentido que injetamos nela. Na capacidade de a cavalgarmos e não deixarmos que ela nos cavalgue! Na determinação de nossas opções e escolhas e essencialmente quando as colocamos a serviço de projetos que nos transcendem. Outrossim, uma miopia existencial torna-nos servos da rotina e da mediocridade e inviabiliza a realização pessoal a que todos temos direito e que, em última análise, gera a tal da felicidade.

O significado que atribuímos às nossas atitudes por mais simples que sejam agrega à vida a estética que lhe deve ser inerente. O ser humano necessita incutir aos seus passos um rumo que o transcenda. Nenhum barco terá um porto seguro se não souber para onde vai! Conhecemos homens e mulheres que, embora inseridos em contextos degradantes como campos de concentração, nunca perderam o sentido da sua vida; Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, foi um deles.

“Combati o bom combate” alerta-nos para uma ética que existe além da estética, quando se fala de vida. Não é um combate qualquer! Não se trata de um desgaste por pequenas coisas que não valem a pena! Uma existência humana há que ser “interessante” (surpreendente, singular). É de grandes causas que nos alimentamos, embora elas estejam embutidas no ordinário com que tecemos a vida. Transformar este ordinário em algo impactante para nós e para o mundo é sabedoria, é o grande diferencial de uma vida.

Chegar ao limiar da morte e, num gesto de tremenda honestidade moral, reconhecermos que “combatemos o bom combate”, que não nos perdemos em querelas nem em polarizações estéreis, é saborear o grande elixir da vida humana.

Paulo de Tarso encontrou no esvaziamento da sua vida o complemento que a enriqueceu definitivamente: “já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim”! Deixar-se moldar pela Pessoa que ele amava foi o seu “bom combate”. E qual será o seu, caro leitor?

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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