Imagine só essa história: uma pessoa vinda da cidade grande descobre que o estilo musical e a dança do momento estão proibidos na localidade do interior, de características conservadores, onde foi residir. A medida foi tomada pelos conselheiros municipais e é garantida à risca pela autoridade constituída, o xerife, com total apoio do líder religioso, arauto da família tradicional e dos bons costumes.

Este é o enredo do filme Footloose, mas bem que se parece com as notícias de Londrina da última semana para, quem sabe? Algum universitário recém-chegado?

Na película, o “Ritmo Louco” – subtítulo que recebeu no Brasil – era o rock, ao menos, na versão de 1984. Na Londrina de 2024, talvez seja o samba, o funk, o pop ou outro estilo musical que virou hit nos blocos, nos trios elétricos e nos salões Brasil afora.

Pois bem, como jornalismo é contextualização, vamos recordar o noticiário dos últimos dias. A prefeitura de Londrina havia feito uma programação para celebrar o Carnaval na cidade. Para o domingo, talvez, o dia mais movimentado, programou a apresentação do tradicional bloco do Bafo Quente. A ideia original era o anfiteatro do Zerão, mas, por orientação de segurança do Corpo de Bombeiros, foi transferido para o CSU (Centro Social Urbano) da Vila Portuguesa, na zona leste. Isso ainda é janeiro.

No dia 5 de fevereiro, vem à tona que o Ministério Público emitiu recomendação administrativa para que a administração municipal reavaliasse o carnaval no CSU por preocupações ambientais. Dois dias depois, os bombeiros afirmam que o pedido de autorização, feita em cima da hora, previa um público dezenas de vezes menor que o registrado na festa do ano passado. E a prefeitura, o que fez? Não sabemos exatamente, até que resolve se pronunciar, na quinta-feira, para confirmar o cancelamento do evento.

Bom, a história não para por aí. Nas redes sociais, representantes dos bons costumes questionam por que gastar verba pública com festa. Uma vereadora aproveita a onda e propõe a proibição de dinheiro público para custear eventos de lazer e cultura nas ruas de Londrina, a tradicional pauta reacionária de tirar mais um pouquinho de direito e de acesso à verba pública que a população tem. E, a ver pelas manifestações em redes sociais, outros parlamentares já estão de prancha pronta para surfar no tema.

Voltando às raízes do Carnaval, a festa teve origem em rituais pagãos, mas foi adotada pela Igreja Católica nas vésperas da Quaresma, período de abstenção de prazeres, entre eles, o consumo de carne.

Mas, na verdade, o Carnaval era o momento de subversão, quando os plebeus zombavam, riam e destronavam a realeza, a nobreza e o clero. Isso tudo feito nas ruas, quisessem os opressores ou não. Na Itália, a origem está na Lupercália, a festa das divindades infernais – para os romanos, era uma festa de purificação.

Talvez tudo isso explique a ojeriza que alguns burocratas e reacionários - de templos, parlamentos ou de casa, mesmo - possam ter ao Carnaval, mas, estudiosos mostram que a festa do riso e do grotesco era o momento que dava alguma razão e sentido à existência daqueles desprovidos de motivos para terem fé na vida.

Como bem sugeriu a editora do Folha 2, Célia Musilli, nesta semana, chegou a hora de o Carnaval em Londrina retornar às ruas. Claro, com serviços públicos, como água potável, banheiro e lixeiras, mas, sem a burocracia que, em seu efeito prático, só dificulta a vida do cidadão. Que tal reerguer as escolas de samba e seus belos e inclusivos desfiles?

Londrina deixou o samba morrer – “de burocracia”, como bem diagnosticou a Célia –, mas a ressurreição da festa está nas atitudes da juventude festiva e sedenta de lazer e cultura, a despeito das autoridades e do reacionarismo falso moralista. Assim como fizeram as personagens de Kevin Bacon, Lori Singer, Chris Penn e Sarah Jessica Parker no filme de 1984. Ao menos lá, a alegria venceu.

Luís Fernando Wiltemburg, jornalista