Imagino se eu pudesse falar, hoje, com alguém que é jovem em um Brasil cinquenta anos no futuro... do que eu falaria? Minha curiosidade buscaria saber do presente dele ou se ele tem alguma notícia do meu presente? Também gostaria de saber como ele imagina o futuro dele à partir do presente que é um futuro que eu só imagino.

Tantas perguntas. Conseguiríamos conversar? Ele reconheceria as minhas referências? Se eu citasse a pandemia, os mais de cem mil mortos, ele saberia do que estou falando? Ou será que o jovem do futuro é como quase a metade dos jovens europeus de hoje que não reconhecem mais o significado da palavra Holocausto? Não posso saber.

Olho para o futuro e o vejo como uma continuidade do nosso presente, um desdobramento, uma linha sendo desenhada, os pontos conectados em uma ordem da esquerda para a direita. Mas sei que isso é um erro, fruto da ilusão que construímos com as nossas narrativas históricas, imaginadas a partir de causas e consequências.

Nossa consciência é inventada a partir de relações anacrônicas, nas quais projetamos valores e conteúdos que não existiam no passado, mas que acreditamos existir para justificar certa linha do tempo que deságua no presente que admiramos ou repudiamos. Com o futuro, agimos da mesma forma. E, por isso, conjecturamos esse futuro como um paraíso da tecnologia que resolve tudo ou o pesadelo da crise ambiental e dos governos orwellianos, tudo ao sabor do nosso estado de espírito.

Só por hipótese, imagino escrever a esse jovem de 2070. Escolho palavras como, por exemplo, “direita e esquerda”. Fará sentido para ele? É fato que faz para nós, mesmo tendo passado mais de trinta anos do fim da Guerra Fria e mais de cinquenta anos do bloqueio de Cuba e da construção do muro de Berlim. E “Democracia”, o que ele terá a dizer? E “Ciência”? E “diversidade”?

Será que as escolas do futuro vão relativizar de tal forma os conceitos e valores que teremos jovens a favor e contra a Ciência, como quem torce para times de futebol? Ou que se revoltarão com uma propaganda que mostra um homem trans exibindo, orgulhoso, sua condição de pai? Ou, ao contrário, a diversidade terá sido normalizada e o estranho será chamar a atenção para ela, como os peixes que se surpreendem com a pergunta “como está a água?”.

O futuro que imaginei para mim quando eu era jovem acabou sendo bastante frustrante. Eu dizia: “Daqui quarenta anos o mundo vai estar melhor, a tecnologia vai unir as pessoas, facilitar a vida de todo mundo, libertar do fardo do trabalho repetitivo, diminuir a miséria e tornar as decisões mais democráticas, já que, enfim, estaremos todos conectados."

Muitas vezes temo pelo futuro que não será mais meu. No entanto, exatamente como errei quando era jovem, posso estar errado de novo. Porque o que fazemos no mundo não é uma narrativa de causas e consequências na qual o futuro precisa ser necessariamente um devedor do seu passado, o nosso presente. Como já dizia o poeta: “Inútil seguir vizinhos, querer ser depois ou ser antes, cada um são seus caminhos, onde Sancho vê moinhos, D. Quixote vê gigantes. Vê moinhos? São moinhos. Vê gigantes? São gigantes.”

Se eu pudesse falar com um jovem do futuro, diria isto para ele: “Não se amedronte, tudo o que está aí ao seu redor são peças de um quebra cabeças cuja imagem só se revela depois de pronto e, então, é o fim do jogo e elas se dispersam novamente, formando novos desenhos, para os novos jogadores que virão igualmente amedrontados de que não serão capazes, de que será impossível. Mas todo mundo deixa um desenho sobre a terra, uma marca indelével da sua existência. E todo mundo pode olhar o desenho dos outros ou, se tiver sorte, conversar com alguns de seus autores. E entender que pode ver a mesma coisa como moinho ou como gigantes. Mesmo que só haja moinhos".

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo