O presidente Fernando Henrique Cardoso está prestes a consolidar um poder pessoal sem precedentes na democracia brasileira. Os presidentes democratas brasileiros sempre conviveram com oposição parlamentar implacável, que os mantiveram em estado de tensão permanente.
Basta lembrar Juscelino, Jânio Quadros, João Goulart e, mais recentemente, Sarney e Fernando Collor. Fernando Henrique não tem oposição. Administra contrariedades, caprichos e apetites de seus próprios aliados. Nem sempre é tarefa amena, mas não se compara aos contratempos de conviver com oposicionistas de verdade.
Os que se opõem ao atual governo - PT, PDT, PCdoB -, além de minoria, estão de tal forma desarticulados e desmotivados que é como se não existissem. Na votação da emenda da reeleição, deixaram inclusive de registrar o voto contrário no painel. Optaram pela omissão, que confirma a sensação da ausência e a projeta na história.
Com a vitória, ontem, de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), para a presidência do Senado, por um placar esmagador, previsto e anunciado na véspera pelo líder governista Élcio Álvares (PFL-ES) - 52 a 28 -, Fernando Henrique está a um passo da conquista plena do Congresso. Falta apenas a confirmação da vitória de Michel Temer (PSDB-SP), hoje, na presidência da Câmara. O otimismo, sobretudo depois da vitória de ACM, é galopante, mas há sempre um espaço para o imponderável, já que o voto é secreto.
Também o foi no Senado, argumentam, otimistas, os governistas, procurando subestimar o fato de que a Câmara é uma casa tradicionalmente mais rebelde. Tudo, porém, aparenta estar sob controle. O rolo compressor do Executivo não cuida de outro assunto há semanas. Trata-se de mais um capítulo da novela em curso da reeleição. Conquistar o domínio pleno do Congresso é essencial aos planos de poder de Fernando Henrique. E a pergunta é: que planos são esses?
O ministro das Comunicações, Sérgio Motta, já disse mais de uma vez que as transformações necessárias ao país, para que conserte o que está errado e entre nos eixos, não acontecem num prazo inferior a 20 anos. Considera um desperdício que alguém com as qualidades intelectuais do atual presidente contribua nesse processo com apenas um mandato de quatro anos. Dessa premissa, surgiu a reeleição.
Com ela, a reeleição, acrescenta apenas mais quatro anos ao período mencionado por Motta, suspeita-se, entre os escassos adversários do presidente, que seu projeto seja mais amplo e sofisticado. Dele constaria, ao término do segundo mandato de Fernando Henrique (que todos, aliados e adversários, parecem encarar como fato definitivamente consumado), a adoção do sistema parlamentarista de governo.
O presidente já louvou diversas vezes esse sistema, cuja adoção consta do programa de seu partido, o PSDB. A partir daí, não haveria limites ou embaraços a que se perpetuasse no poder como primeiro ministro. Delírios? É impossível que sim - e é possível que não.