A abertura das Olimpíadas serviu para, ao menos temporariamente, despoluir o Rio Sena, e também para revelar como pode ser desastrosa a bizarrice, procura insensata de originalidade.

O desfile fluvial confinou os atletas em barcos, assim já contrariando o princípio básico dos esportes, que é a mobilidade, e conferindo a tudo lentidão e demora, tanto que tudo durou o dobro da maratona, a mais longa prova olímpica.

Pontuar o desfile com apresentações artísticas seria bom se os cantores e atrações tivessem a dignidade da banda militar que se apresentou constrangida pelas bizarrices em redor.

A corrida da tocha olímpiada foi planejada como mistura de teatro simplório com delirante filme de ação - assim por antítese lembrando Muhamad Ali, com a dignidade de maior boxeador de todos os tempos, a acender a pira olímpica, na Olimpíada de Atlanta em 1996, com os braços tremendo por mal de Parkinson.

Com poucas exceções, as danças foram pautadas pelo contorcionismo da dança de rua (dance street), com muitos dançarinos fantasiados e mascarados, embora a esgrima seja o único esporte a usar máscara.

Como a simbolizar visão histórica distorcida, colocou-se, como símbolo da Revolução Francesa, não os direitos humanos ou a democracia dela resultantes, mas apenas a rainha Antonieta degolada.

Casais trisais e homens se beijando foram apresentados como troféus de um novo tempo, embora se saiba que o homossexualismo era evidente e convivido normalmente desde a Grécia Antiga de origem das Olimpíadas.

O desfile foi todo segmentado, cada segmento decerto com sua própria direção artística, o que resultou num disputante frenesi exibicionista de esquisitices e aberrações, como se o intuito não fosse unir e comover mas exaltar e chocar.

Disso tudo resultou um desfile barroco, com excesso de detalhes bizarros e símbolos decifráveis apenas por minorias.

A presença de negros representou o notável avanço da igualação racial, embora ainda menor que na realidade social do que nas suas representações nas artes e na publicidade.

A ressaltar a digna e competente apresentação de Celine Dion, que sofre de grave doença crônica, cantando o Hino ao Amor que imortalizou Edith Piaf, como também a soprano Axelle Saint Chirel cantando A Marselhesa nas alturas filmada por drone, assim se unindo arte e tecnologia com bom senso e bom gosto.

De modo geral, porém, fundiram-se barroquice e megalomania num desfile que decerto ficará na História das Olimpíadas como exemplo do que não se deve fazer. Esperemos que na próxima Olimpíada, nos EUA, restaurem-se a dignidade e a simplicidade olímpicas, representadas historicamente pelo fato de que seus pioneiros campeões recebiam de prêmio uma coroa de louros.

Domingos Pellegrini, escritor e colunista da FOLHA

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