Barra Torres, um esquerdista infiltrado ou apenas um homem sensato?
ESPAÇO ABERTO - Veja a opinião do leitor
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
ESPAÇO ABERTO - Veja a opinião do leitor
Antonio Alves
Fico imaginando a cara de Bolsonaro ao receber em seu WhatsApp uma chuva de notificações de deputados, velhos ricos e toda gente com sangue nos olhos e ódio destinado ao sr. Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, que no sábado (8/01/2022) enviou ao presidente uma nota toda pomposa. Na nota, o meu xará (porque também me chamo Antonio) deu uma bela cutucada na cúpula do governo, e sinalizou não apenas que Bolsonaro está cada vez mais derretendo sua influência política, como também que uma ala dos militares não está nem aí para ele. Mas isso não é exatamente o que quero trazer neste texto, e sim, olhar para o motivo de Bolsonaro estar se dando tão mal politicamente em seu governo. Isso se explica por aquilo que sobra em Antonio Barra Torres, no entanto, é muito escasso no Bolsonaro: o caráter.
Que Bolsonaro não tem caráter e é sem educação, sem classe e sem respeito, qualquer pessoa sensata sabe. Nenhuma novidade até aqui. O problema é quando um militar lhe dá uma lição de moral publicamente, de uma maneira classicista, tranquila, escrevendo lindamente, como se estivesse a tomar um chá inglês e a sorrir sem motivos. Antonio Barra Torres, depois daquele sábado, tem de ser exaltado, não apenas como general do exército, médico, presidente da Anvisa, mas também como exímio escritor. A carta é breve, misteriosa, esclarecedora e quase que hipnótica, porque o leitor tem de lê-la várias vezes para acreditar. Ali está a verdade nua e crua sobre Bolsonaro, e eis que quando a verdade aparece assim arde os olhos, por isso, temos de ler e reler para acreditar.
Diz Antonio Barra Torres em um dos trechos: “Como cristão, Senhor Presidente, busquei cumprir os mandamentos, mesmo tendo eu abraçado a carreira das armas”. Eis aí uma contradição? Ao que me parece, sim. Porque Barra Torres parece reconhecer que ser cristão e pegar em armas são algo bastante questionável, o que é um tanto admirável, já que a narrativa do governo de Bolsonaro prega exatamente o contrário, no entanto, Jesus Cristo, o único e verdadeiro legítimo cristão, até onde eu sei, nunca pegou numa arma. Ponto para Antonio Barra Torres, já que Cristo era mais semelhante a um hippie do que a um militar: seria mais fácil Cristo ser perseguido por militares do que perseguir hippies com militares. Quem pensa o oposto disso precisa ler mais vezes os quatro evangelhos e refletir profundamente, ali, nas palavras de Mateus, Marcos, Lucas e João.
Mais à frente, na cartinha, Antonio Barra Torres diz: “Prezo muito os valores morais que meus pais praticaram e que pelo exemplo deles eu pude somar ao meu caráter”. Perceba, caro leitor da Folha de Londrina, o quanto isso bate na alma do bolsonarista fanático, porque, embora sejam óbvias as palavras de Barra Torres, elas são certeiras. Todo mundo recebe valores morais (sejam valores morais bons ou ruins) dos pais, porém, dizer abertamente aos outros e com um orgulho conservador que pôde “somar esses valores ao próprio caráter” é algo que ataca o próprio coração conservador bolsonarista. É sagaz e genial, porque nas entrelinhas pode-se perceber que contrariamente a Barra Torres, Bolsonaro é alguém que não pôde somar os valores recebidos dos pais ao próprio caráter.
Questionar a vacina de Covid para as crianças é legítimo, aliás, quase tudo que Bolsonaro faz e fala é legítimo (ele é livre para tal, assim como todo cidadão - e eu amo a liberdade). Por isso, pode-se dizer que ele até é bem intencionado na maioria das vezes, mas seu péssimo caráter excede e derrama, e é sempre o que fica aparente: seu caráter é baixo e sem classe - ninguém aguenta ficar muito tempo ao lado de alguém assim. Bolsonaro realmente precisa mostrar o seu poder antes de sua educação (que ele não tem), já que é apenas isso que seduz e alimenta seu eleitor fanático (na maioria das vezes, também sem educação e rude). Tudo que Bolsonaro faz é atacar, ora, é o que se espera de alguém que tem formação de militar... mas, espera aí! Não é isso o que nos mostrou Antonio Barra Torres! Um militar pode ser boa gente também, ter bom coração, caráter e valores morais bem recebidos dos pais e somados ao próprio caráter.
Para sermos otimistas e tentarmos ser moderados com o presidente, temos de pensar que ele não entendeu nada do que lhe ensinaram no exército. Por fim, remeto o leitor à pergunta chave do título do texto: Barra Torres é um esquerdista para o bolsonarista fanático, porém, para o resto das pessoas, apenas alguém sensato. Como está claro, eu aposto mais na segunda opção, porque um militar esquerdista é como um hippie conservador, duas coisas impossíveis num mesmo caráter.
Antonio Alves, professor de filosofia, Maringá
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