Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a episódios judiciais que levantam sérias dúvidas sobre o senso de proporções adotado pelo nosso sistema de Justiça. O princípio da proporcionalidade deveria ser um dos pilares das decisões judiciais, garantindo que as sanções impostas sejam adequadas, necessárias e equilibradas em relação à gravidade dos atos praticados. No entanto, casos recentes evidenciam que esse equilíbrio tem sido frequentemente ignorado, resultando em decisões que desafiam a lógica e o sentimento de justiça da sociedade.

Um exemplo emblemático dessa distorção é o caso de Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 14 anos de prisão. Sua participação nos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, se resumiu a escrever com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, localizada em frente ao STF. Apesar de sua conduta ser, evidentemente, um ato de vandalismo e de estar inserida em um contexto de ataque às instituições, a pena imposta parece absolutamente desproporcional. Débora foi condenada por cinco crimes, incluindo abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O próprio ministro Luiz Fux, em voto divergente, sugeriu que a pena deveria se restringir a 1 ano e seis meses, considerando apenas o crime de deterioração de patrimônio tombado, destacando a ausência de violência e de liderança por parte da ré.

Contrastando com esse caso, temos a condenação do ex-presidente Fernando Collor, também pelo STF, a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Collor foi acusado de receber milhões de reais em propina, utilizando sua posição de poder para beneficiar interesses privados e enriquecer ilicitamente. Trata-se de crimes que, além de causar prejuízos financeiros ao erário, corroem a confiança da população nas instituições democráticas. Ainda assim, a pena aplicada a Collor foi significativamente menor do que a imposta a Débora, cuja conduta, embora reprovável, não gerou enriquecimento ilícito nem envolveu violência física.

Esse contraste entre as decisões revela uma preocupante perda do senso de proporções por parte do Judiciário brasileiro. Ao punir de forma mais severa quem vandalizou um patrimônio do que quem desviou milhões dos cofres públicos, o sistema de Justiça transmite à sociedade uma mensagem de que o rigor da lei é aplicado de maneira desigual e, por vezes, arbitrária. Não se trata de minimizar a gravidade dos atos praticados por Débora, mas de reconhecer que a resposta estatal deve ser equilibrada e razoável, sob pena de se tornar injusta.

Como bem define a doutrina, “A proporcionalidade tem efeito regulador na aplicação dos demais princípios constitucionais, no intuito de evitar que se dê muita importância a um ou outro princípio, em detrimento de outro igualmente importante”. É urgente que o Judiciário recupere esse senso de proporções, aplicando penas que reflitam, de fato, a gravidade dos atos praticados, para restabelecer a confiança da sociedade na Justiça e garantir que o direito não seja instrumento de excessos, mas de equilíbrio e verdadeira justiça.

Ruy Carneiro Giraldes Neto, advogado e servidor público

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