A crise sobre as queimadas na Amazônia certamente é séria, colocando o Brasil, que possui a maior parte da floresta em seu território, no epicentro de uma polemica mundial; e, de quebra, alçou o presidente Bolsonaro a condição de um dos protagonistas de todo o imbróglio.

No entanto, além da questão do meio de ambiente, de qual deve ser a política brasileira para a região, dos direitos dos povos indígenas, da aceitação de ajuda internacional para o combate aos incêndios, que são aspectos mais visíveis dessa discussão, há os reflexos econômicos que não parecem ser percebidos por todos atores e interessados.

É preciso lembrar que se estima que menos de 10% da agricultura brasileira conta com sistema de irrigação. Também não se discute que o aumento das queimadas interfere no volume de chuvas do país, que, em boa parte, deriva do pulmão amazônico. A destruição de parte da região pela ação das queimadas afeta negativamente a produtividade agrícola como um todo no país, na medida em diminui o volume das chuvas, que é fundamental para o desenvolvimento do setor.

Logo, é importante desarmar alguns conceitos simplistas que o setor do agronegócio está por traz das queimadas, não sendo razoável confundir todo um segmento com a ação criminosa de alguns poucos pecuaristas oportunistas e grileiros de terras.

Em outra dimensão, a confusão afeta o todo o comércio de commodities do país, podendo causar a restrição de rotas de exportação e o avanço dos acordos comerciais multicontinentais. Quando se fala em queimadas, fala-se, na verdade, em desarme das políticas públicas de combate ao desmatamento na Amazônia brasileira. Em boa parte, é forçoso reconhecer, decorrente de posições ambíguas dos órgãos ambientais e de vigilância, assim como da troca de seus dirigentes e de rompantes verbais do próprio presidente Jair Bolsonaro.

O aumento dos incêndios, cujo os dados são inquestionáveis, despertou a atenção do mundo e a reação inicial do país de tratar o assunto como uma questão interna, com traços políticos. Acrescente nessa panela de pressão a crise comercial entre os Estados Unidos e a China. Correndo por fora, muitos especialistas viam uma janela de oportunidade para os produtos nacionais aumentarem as vendas para norte-americanos e chineses, o que se tornou uma incógnita ante a ameaça de boicote internacional aos produtos exportados pelo Brasil.

Ainda que não seja claro qual será o desfecho da crise comercial entre Estados Unidos e a China, não há dúvida de que, no mínimo, haverá maior rigor dos compradores das commodities exportadas pelo Brasil, principalmente os europeus. Espera-se que aumentem as exigências de de que os produtos não foram produzidos em áreas desmatadas, além de outros atestados de respeito aos protocolos ambientais. Há ainda o acordo entre o Mercosul e União Europeia, cuja implantação deverá trazer mais contrapartidas e exigências ambientais para os brasileiros.

Embora a posição da França de impor restrições mais duras às relações comerciais com o Brasil não seja predominante, é certo que as demais nações estão atentas às queimadas na Amazônia, seja por interesses concorrenciais ou por exigência de sua população interna. O calibre do que está por vir dependerá da efetividade da resposta do Brasil, sendo preciso ir além das bravatas e agir, para que desarmemos o risco de mais um revés na nossa economia.

GILBERTO BRAGA é economista, professor da J. Valério/FDC – Fundação Dom Cabral