Ano após ano, desde 1964, eis que a CNBB nos presenteia com temas cada vez mais oportunos, dentro do projeto quaresmal de conversão social, chamado de Campanha da Fraternidade. Tornou-se um patrimônio brasileiro exportado para outras partes do mundo e admirado por católicos nesse mundo afora!

Não é para menos: a Igreja Católica tem apontado, de forma cirúrgica, dimensões concretas da vida que necessitam urgentemente passar por transformações e cujos protagonistas são homens e mulheres de boa vontade, que aceitam empreender uma conversão de coração e de modus vivendi. Afinal, a quaresma litúrgica proporciona a quem desejar, uma trilha de introspeção séria, guiada por textos bíblicos, que conduz à mudança de atitude perante Deus e os semelhantes.

Neste ano, o tema proposto é "Fraternidade e Amizade Social". O termo pode não ser inédito, mas remete peremptoriamente ao papa Francisco, na sua encíclica Fratelli Tutti. Há ali uma proposta clara de “alargar a tenda” (Is 54,2), fazendo com que cada um tenha consciência dos males que afligem a todos e se crie uma mentalidade de que todos somos irmãos (Mt 23,8).

A amizade social é apresentada como uma espécie de antídoto, de solução, de remédio para a cultura do descarte e da indiferença globalizada, que o atual papa já denunciou inúmeras vezes. Portanto, faz-se mister apostar no lado positivo da questão, se desejarmos combater de forma eficaz o que nos vem destruindo culturalmente. Assim sendo, é imperativo que se aprecie o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social.

Quando no poema do Génesis, Deus interpelou Caim sobre a morte do irmão Abel (Gn 4,9), as palavras do assassino constituíram-se no maior ultraje e deboche registrados na Bíblia! “Sou por acaso guardador do meu irmão?” O eco dessa perversa pergunta ecoa até hoje nos mais recônditos da humanidade e do coração dos homens!

A saga dos irmãos, principalmente os mais excluídos e jogados na sarjeta da vida, continua não nos dizendo respeito! A vida do vizinho também não! E o mais terrível: chegamos num ponto em que nem a vida dos familiares! Vários amigos já me confidenciaram que os costumeiros almoços de domingo na casa da mama foram cancelados!

Famílias se afastaram por motivos ideológicos. Tornou-se insuportável conviver com o diferente. Transformou-se o divergente e oponente em inimigo! Com um único objetivo: eliminá-lo! Não fazemos isso nas mídias sociais, quando bloqueamos?

O rancor, o racismo, o feminicídio e outros crimes tornaram-se banais! Sente-se um desrespeito total pela vida humana, pois os interesses se sobrepõem aos valores! Até no campo religioso, a difamação e a perseguição, originando afastamento de irmãos na fé, se tornou uma infeliz realidade.

Julgamentos precipitados, ódio, combate a pessoas por causa de suas ideias, nada disso mais nos assusta. E é aqui que mora o grande problema! Há um caldo cultural marcado pela indiferença e pela violência, que necessita urgentemente ser dissolvido. Os crentes têm a palavra de Deus para iluminar essa triste realidade e ajudá-los a mudar.

O conceito amizade social é composto por uma intencionalidade extraordinária de aproximação entre os seres humanos. O cuidado com a casa comum (o planeta Terra) e a certeza de que nenhuma ação individual será inócua para a humanidade como um todo, permeiam essas duas palavras.

Estamos todos na mesma casa, que deve ser transformada em nosso lar. Reconhecer o outro como irmão é de fato uma escolha. Optar pelo amor e combater a indiferença é uma excelente atitude. Insistir no diálogo e menosprezar as diferenças é de uma nobreza única! Durante um ano, as oportunidades que teremos de profundas mudanças interiores, que nos levem ao protagonismo do bem social, serão inúmeras. Aproveitemo-las.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina