Essa semana, passei horas ao telefone com um amigo de Londrina que vive nos Estados Unidos há oito anos. Sem documentação, ele enfrenta desafios diários para sustentar sua família, que inclui duas filhas pequenas, de 6 e 4 anos, ambas nascidas nos EUA.

Mas o que tornou nossa conversa particularmente marcante foi a crise de consciência pela qual ele está passando. Apoia fervorosamente Donald Trump, que assumiu novamente a presidência em 20 de janeiro de 2025, mas agora sente o peso das contradições de suas escolhas.

Depois de anos acreditando que as políticas de Trump não o afetariam diretamente, ele percebe que o discurso do novo presidente estadunidense não faz distinção: para Trump, todos os imigrantes ilegais são, por definição, criminosos.

Essa situação, para mim, é, no mínimo, uma ironia, e, no máximo, uma verdadeira tragédia poética.

Como alguém que vive na precariedade de um sistema que o considera indesejado pode apoiar um líder cuja principal bandeira política é a sua deportação? Essa contradição não é apenas pessoal, mas representa algo maior: a manipulação ideológica que transforma vítimas em apoiadores fervorosos de seus algozes.

O caso do meu amigo ilustra bem essa tragédia poética. Ele está preso em uma narrativa que explora sua fé e valores para justificar um sistema que trabalha contra ele. O nacionalismo cristão nos EUA, um pilar central da ideologia da direita, mistura valores religiosos com políticas excludentes. Esse discurso, poderoso e sedutor, cria um senso de pertencimento que se sobrepõe à lógica e ao instinto de autopreservação.


icon-aspas "(...) para refletir sobre as armadilhas ideológicas que levam tantas pessoas a apoiar líderes cujas políticas trabalham diretamente contra elas"

Outro elemento dessa tragédia poética é a falsa distinção entre "bons" e "maus" imigrantes. Durante anos, Trump prometeu que deportaria apenas os imigrantes ilegais “criminosos”. No imaginário de muitos, isso significava indivíduos envolvidos em crimes violentos ou graves. No entanto, a realidade foi bem diferente. Sob o novo governo de Trump, a retórica de “lei e ordem” transformou todos os imigrantes ilegais em criminosos a princípio, independentemente de seu histórico ou contribuições -- um belo jogo de semântica oculta.

Meu amigo acreditou nessa promessa e sentiu-se protegido, pensando que sua família não seria alvo. Agora, com Trump novamente no poder, ele vive com medo constante de ser deportado e separado de suas filhas. A promessa de proteger a família — tão exaltada pela direita cristã — revela-se vazia quando aplicada a imigrantes como ele.

Essa contradição também revela como a direita, que critica o identitarismo da esquerda, recorre a um identitarismo próprio: o religioso. Trump se posiciona como defensor dos valores cristãos, mobilizando milhões de pessoas em torno de uma identidade religiosa que exclui quem não se encaixa em sua visão de “povo escolhido”. Essa hipocrisia é parte central vivida por meu amigo e tantos outros.

Escrevo esta opinião não para julgar meu amigo e todos na mesma situação, mas para refletir sobre as armadilhas ideológicas que levam tantas pessoas a apoiar líderes cujas políticas trabalham diretamente contra elas. A história dele é um lembrete de como a política pode manipular e dividir, mesmo aqueles que mais precisam de solidariedade e união.

Se há algo a aprender com essa situação, é que no Brasil, assim como nos Estados Unidos, é fundamental olhar além das promessas e discursos sedutores da direita ideológica para entender as ações e políticas que realmente afetam as vidas das pessoas comuns.

A direita brasileira, que tantas vezes segue os passos de seus irmãos ideológicos norte-americanos, adota estratégias semelhantes: utiliza valores religiosos, morais e familiares como ferramentas de identidade, enquanto implementa políticas que frequentemente prejudicam aqueles que mais dependem de um estado justo e inclusivo. No final, apoiar quem quer te excluir ou marginalizar não é apenas uma ironia ou contradição — é uma tragédia que precisamos evitar com mais senso crítico, empatia e união.

Filipe Wesley de Souza

Fundador da Polijetro, uma plataforma de inteligência eleitoral