A situação da saúde em Londrina

Silvio Fernandes da Silva
Quando acontece algum problema de maior gravidade na assistência de pacientes que se utilizam do sistema de saúde em Londrina, o que infelizmente não tem sido raro, as causas desses problemas são frequentemente atribuídas à falta de recursos para a saúde no Brasil, à ‘‘falência do sistema de saúde pública’’ e coisas do gênero. As possíveis causas são remetidas para longe, o mais distante possível. A culpa é atribuída aos ‘‘outros’’, de fora, dando a impressão que a solução é difícil, às vezes inatingível, e que os governantes locais não têm responsabilidade.
As coisas não são bem assim. É necessário reconhecer que, sem dúvida, existem problemas estruturais, decorrentes tanto de um financiamento insuficiente para as necessidades do País quanto de fatores que aumentam progressivamente os gastos da saúde, como o envelhecimento da população e a incorporação tecnológica progressiva, por exemplo.
Por outro lado, na legislação brasileira, a responsabilidade dos administradores locais, após a municipalização da saúde, estão bem claras. Cabe aos chamados gestores locais da saúde aplicar bem os recursos existentes, colocando em prática políticas de saúde eficientes e eficazes, que integrem as atividades curativas com as de prevenção e de promoção, e contribuam para reverter esta situação.
Os recursos federais, principal fonte de financiamento da saúde, que foram transferidos a Londrina, para a gestão da saúde, diminuíram nos últimos anos? O repasse de recursos federais não diminuiu. Pelo contrário, aumentou. Quando Londrina municipalizou a saúde, a partir de dezembro de 1995, recebia mensalmente do governo federal R$ 3.842.000,00.
Atualmente, o repasse supera em muito aquele valor. A média mensal de valores líquidos creditados a Londrina no período de agosto de 1999 a janeiro de 2000, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, foi de R$ 5.429.000,00. Houve um aumento mensal de R$ 1.587.000,00, ou 41% no repasse de recursos federais para o município de Londrina. Neste período, índices como o INPC deram alteração da ordem de 15% e o Dieese de 19%.
Esses recursos ainda não são suficientes. É necessário que se reconheça, porque as necessidades da saúde são muito grandes e a tabela de remunerações do SUS necessita urgentemente ser revista. Mas os recursos repassados representam um volume substancial. Equivalem a aproximadamente R$ 65 milhões ao ano. Somados aos recursos municipais e estaduais da área de saúde, representam valores de R$ 100 milhões ao ano, sendo um dos maiores orçamentos atualmente existentes em Londrina.
Como estão sendo aplicados esses recursos? Como devem ser aplicados para uma progressiva melhoria da qualidade do sistema de saúde?
Existem três áreas de atenção à saúde: básica, especializada e hospitalar. Na área da atenção básica, os municípios brasileiros que avançam na municipalização estão se utilizando da implantação e da expansão do programa de Saúde da Família (também conhecido em alguns lugares, inclusive aqui, como Médico de Família). Para isso contam com recursos e incentivos adicionais do Ministério da Saúde.
Em Londrina, infelizmente, o programa ‘‘Médico de Família’’, ao contrário do que vem ocorrendo em todo o Brasil, foi praticamente desativado. Londrina, que foi pioneira na implantação de equipes de Saúde da Família, na zona rural, tendo, na época, recebido premiação nacional pela Fundação Getúlio Vargas e Ford, deveria ter mantido e ampliado o programa.
Construiu-se o PAI (Pronto Atendimento Infantil), que apesar da imponência e da preocupação dos funcionários com a resolutividade na área de atenção infantil, tem dois problemas básicos: centraliza parte dos serviços de atenção básica (que seriam muito mais efetivos se estivessem dispersos nas dezenas de unidades de saúde já existentes nos bairros da cidade) e apresenta um custeio elevado para o tipo de atenção que presta, tendo, por conseguinte, uma baixa eficiência.
Ainda na atenção básica, sob responsabilidade de outro setor que não a Secretaria Municipal de Saúde, surge a proposta do VÔ (Centro de Atendimento ao Idoso). A construção de um equipamento público centralizado oneroso, como parece ser a intenção dos administradores atuais, poderá se constituir em um equívoco ainda maior que o PAI, pela inevitável ineficiência econômica que acompanha projetos dessa natureza e pelo pouco impacto que terá no direcionamento da política de atenção ao idoso.
As ações de atenção à saúde do idoso, da mesma forma que as da criança, devem ser necessariamente descentralizadas, adaptadas às diferentes realidades sociais e culturais dessa população, intersetoriais e integradas com a comunidade nos bairros que compõem as áreas de abrangências das Unidades Básicas de Saúde e perfeitamente articuladas com os serviços de maior complexidade mais centralizados.
Nas áreas especializada e hospitalar, o momento é de dificuldades. Dificuldades crônicas por falta de recursos dos ambulatórios e hospitais públicos e pela expressiva redução do atendimento ao SUS pelos serviços privados, motivados pela defasagem na tabela de remuneração. Espera-se do poder público municipal como gestor do sistema de saúde com responsabilidades claramente estabelecidas pela legislação: o papel de ‘‘maestro desta orquestra’’, procurando otimizar os recursos existentes, direcionando-os sempre à supremacia do interesse público, evitando falta de oferta de serviços nas áreas prioritárias.
É possível promover parcerias estratégicas com o setor privado, de forma transparente, com a aprovação do Conselho Municipal de Saúde, visando execução de ações específicas de grande impacto sobre a qualidade da prestação dos serviços. São exemplos de parcerias já realizadas com sucesso em Londrina, nos anos de 1995 e 1996: mutirão para realização de cirurgias eletivas na especialidade de otorrinolaringologia; ampliação de Unidades de Terapia Intensiva; estímulo à ampliação da atenção de urgência/emergência; modernização de serviços de hemodiálise, entre outras.
Essas parcerias tiveram um nítido recuo nos últimos anos, o que tem levado a uma falta de integração entre os vários componentes do sistema de saúde. Os recursos de custeio do sistema não têm sido utilizados com visão estratégica. Além disso, o custeio da rede de saúde, centros de saúde, Maternidade Municipal, PAI e outros têm comprometido, de maneira quase insuportável, os recursos públicos municipais para o financiamento do sistema de saúde. Os recursos do tesouro municipal acabam sendo utilizados em quantidade cada vez maior. Se não for revertida a situação, dando mais eficiência e eficácia à aplicação dos recursos locais, a administração municipal da saúde poderá ficar ingovernável a médio prazo.
SILVIO FERNANDES DA SILVA é médico e foi secretário de Saúde de Londrina (1993-1996).