A Religião e a Política no século XXI
As eleições deste ano contam com mais de 7.400 candidatos religiosos
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segunda-feira, 02 de setembro de 2024
As eleições deste ano contam com mais de 7.400 candidatos religiosos
MANUEL JOAQUIM R. DOS SANTOS
Há um fenômeno mundial que demanda uma boa hermenêutica. Não é exclusivo do Brasil. A religião, que muitos achavam morta há anos, anda de mãos dadas com a política e o mundo está mais religioso! Porém, é uma religião diferente! Ou melhor, um modo de ser religioso diverso! Em passando para um campo mais intimista e individualista, rejeitando influência da Instituição e de seus líderes e dando protagonismo à liberdade individual, a religião vai consolidando-se como player do jogo político na maioria dos países. Padres, pastores, gurus Indus, rabinos, imames etc envolvem-se sem pudor nesse processo e ajudam a determinar o resultado de eleições, inclusive, a legitimar ditadores de plantão. Trata-se de um “study case” interessante.
Este que vos escreve já foi candidato. Embora não fosse um caso inédito, era raríssimo encontrar ministros religiosos disputando eleições e em geral, a Instituição, ou não os apoiava, ou o fazia timidamente. Movia-nos um idealismo (não ideologizado) de devolver à politica o brilho e a seriedade que nunca deveria ter perdido! Chamavam-nos de utópicos, sonhadores e ingénuos! Mas, tudo mudou. Grupos religiosos, católicos e evangélicos (incluindo Igrejas como um todo), participam efetivamente do processo e em alguns casos, com “partidos próprios” (mesmo que 56% dos paulistanos não aceitem). No Congresso, formam “bancadas” (a exemplo de outros grupos) e criam fortes lobbys em defesa dos seus interesses. No Brasil, ainda ninguém se atreveu a criar leis que condicionem essas candidaturas, como já existem em relação a outros grupos. A promiscuidade da religião com a política partidária, pode eventualmente criar um submundo, em que o Estado Laico corra perigo. Por outras palavras, perdoem-me a hipérbole, nos aproximar de países teocráticos como Irã, Afeganistão etc.
As eleições deste ano contam com mais de 7.400 candidatos religiosos. A identificação dos candidatos religiosos ocorre pelo nome da urna ou pela profissão informada. O próprio candidato informa ser "sacerdote ou membro de ordem ou seita religiosa", ou usa um termo religioso para se lançar na disputa. Esta informação é perniciosa, manifestando o desejo explicito de desviar o foco da pessoa para a profissão! Isso acontece com outros candidatos, pelos mesmos motivos. Um militar por exemplo, ao se apresentar como tal, visa atrair o que no inconsciente coletivo existe de agradável a essa profissão. O mesmo com os ministros religiosos! Fica patente que no país, constatamos um movimento claro e despudorado de atrair o eleitor sob os auspícios de sentimentos religiosos, inerentes aos ser humano. E mais: se grupos ligados a atividades econômicas, culturais, ou educacionais, têm legitimidade de se organizar para defender os seus interesses, o mesmo não acontece com a religião. A liberdade religiosa e o reconhecimento do Estado, traduzido em isenções tributárias, já estão consagrados na Constituição. O que for além disso não é republicano e nem moral.
Pelo mundo afora, a religião tem prestado um desserviço à política em geral. Não raro, cola-se a partidos de extrema direita, iludida por pseudo valores defendidos, ou pior, buscando rever a importância que já teve no passado, como “religião única e oficial”! Torna-se então, combustível para arroubos autoritários, pactuando com ideologias neonazistas, fascistas e em muitas situações, negacionistas das mudanças climáticas e das vacinas. Na Europa, certos setores religiosos católicos, são visceralmente contra a abertura a refugiados e emigrantes, numa clara oposição ao Papa. A dinâmica interna do ethos religioso não é a mesma da política. A relação fiel e líder tem prerrogativas exclusivas que não podem ser aplicadas no mundo específico da governança dos povos. O líder religioso tem um poder que “lhe é dado” pela divindade e por conseguinte, assim é respeitado.
Em última análise, a presença de religiosos no pleito, como cidadãos formados para o bem, estaria longe de ser um problema. A entrada na política para forçar o Estado a atender os seus interesses, é ignóbil.
Pe. Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina