Em época de chuvas intensas, o “ribeirão das Três Boccas” ressuscita. A água vermelha e barrenta arrasa as margens. Deixa marcas. Mostra força. Recupera o significado histórico.

Um Mapa de Terras Colonizadas no Norte do Paraná (1931) traz nova luz ao estudo dos silenciados “Patrimônio Três Boccas” e “Núcleo Colonial Três Boccas”.

Segundo as Bases Regulamentares para o Serviço de Colonização (218/1907 PR), o povoamento de terras devolutas ou de particulares deveria ser realizado através da criação de Núcleos Coloniais. Cerca de 50 famílias de imigrantes, em lotes de 20 a 50 hectares cada. Próximos à ferrovia ou porto fluvial. A sede do “Núcleo Colonial” seria o “Patrimônio”. Além disso, existiam outras cláusulas a cumprir. Nas concessões de ferrovias, EFCP ajustada para a CTNP (1925) e CFSPP (1928), a ferrovia poderia indicar e desapropriar terras de seu interesse. Prever a implantação de Núcleos Coloniais, Patrimônios e estações.

Dois Patrimônios foram projetados em 1929 nas terras da CTNP: 1) o “Patrimônio de Heimtal” e 2) o “Patrimônio Três Boccas” (Yamaki, 2017). O Patrimônio de Heimtal era a sede do Núcleo Colonial ou Colônia Heimtal. O Patrimônio Três Boccas, por sua vez, era a sede de um Núcleo Colonial ainda em estruturação. Patrimônios iam surgindo antes do Núcleo Colonial.

Voltando ao Mapa de Terras Colonizadas (1931). Estão parceladas em lotes rurais as concessões de Leopoldo Vieira, dr. Paula e Silva e a faixa Norte das terras de Beltrão.

A concessão CTNP ainda estava intocada. Era constituída de duas partes, transferidas da concessão Beltrão. Uma parte, estreita faixa, NS, ia do espigão do ribeirão das Abóboras à linha Dr. Paula e Silva. A outra parte, LO, seguia o ribeirão das Três Boccas até as nascentes do ribeirão Vermelho. Formavam um “L” invertido.

Revelam, em conjunto, o recém-descoberto “Núcleo Colonial Três Boccas”. Tinha acesso pelo Picadão Três Boccas que ligava a margem oposta de Jatahy à foz do ribeirão Cafezal. Outra estrada, também partindo de Jatahy, seguia a margem esquerda do ribeirão Engenho de Ferro, atravessava o Patrimônio Três Boccas e ia até o ribeirão Esperança. Depois, acompanhava o ribeirão das Três Boccas até as vertentes do Vermelho. Uma última estrada NS, próxima, na Fazenda Floresta, ligava o Paranapanema à linha Dr. Paulo e Silva.

A sede do “Núcleo Colonial”, o “Patrimônio Três Boccas”, havia sido projetado antes, em local central e estratégico. Ficava junto à Divisa de Terras da CTNP, ferrovia CFSPP e estradas de acesso. O Mapa de 1931 evidencia a relação Núcleo Colonial e Patrimônio, regulamentado pelos planos de colonização e viação.

Finalmente, o “Núcleo Colonial Três Boccas” faz parte de silêncios e distorções de frentes de colonização. A sua redescoberta dilui o discurso de “território desconhecido”. Decifrar e desvendar. Redescobrir o Norte do Paraná.

Humberto Yamarki, coordenado do LabPaisagem na Universidade Estadual de Londrina