A razão de meu desprezo
Todo aquele que desconsidera o outro tem e merece o meu profundo desprezo
PUBLICAÇÃO
sábado, 30 de novembro de 2024
Todo aquele que desconsidera o outro tem e merece o meu profundo desprezo
João dos Santos Gomes Filho
Desprezar alguém significa desconsiderar essa pessoa, seja por sua desimportância, seja pelo amálgama das relações convolar (ao aleatório da vida) uma conjuntura tal, da qual não fazemos muito caso – desprezo é puro suco de desinteresse e, bem por isso, convola desapego intrínseco a determinada conjuntura.
O que destoa na caminhada costuma chamar nossa atenção. Manja a ave eterna? A Fênix ilustra a ponderação, naquilo que sua condição mitológica dá a medida de uma vertente mágica do espectro racional da narrativa histórica, desenhando a canção aleatória da imaginação.
Enquanto mito redivivo a Fênix prende nossa atenção, conjugando a maior das valenças de bem viver, consubstanciada no ‘para sempre’ – não aquele forever dos contos de fada, mas o eterno que desafia o próprio dogma da finitude e aproxima o homem de Deus – afinal, se a ave eterna ressurge da própria cinza, ela se faz notar, seja por sua condição especial, ou por sua conexão com a eternidade.
Assim é que seguimos conduzindo o caos que pontuou a morte, em tempo de viabilizar o ressurgimento – em que pese este que vos incomoda (pelas páginas desta Folha) seguir carregando enorme culpa cristã, à mingua de alguns dias de glória!
O que ou quem desprezo eu, então? Todo aquele que desconsidera o outro tem e merece o meu profundo desprezo, haja vista meu desinteresse aflorar cada vez que, no plano do tédio, as ideias descolam da fraternidade, abraçando o egoísmo.
Já falei (sigo falando) do padre Júlio e sua extraordinária disposição de se importar com o outro. Ao atuar no seio dos descamisados o padre, via de regra, incomoda aqueles a quem desprezo.
Há, pois, muita gente que faz meu radar de bem querer ativar (padre Júlio) e outros tantos que desprezo (Malafaia). Penso que isso não passa só comigo. Cada um de nós tem um GPS próprio que abraça o bem querer, ao tempo em que faz desandar os incômodos que a vida vomita...
O problema de conviver com intolerantes está, então, na própria intolerância, e isso me ensina não tolerar quem não tolera as diferenças que molduram as minorias, abraçando a cadela fascista em seu viés de pensamento único.
Todavia e para que você, meu outro leitor, não tenha uma expressão beatificante de minha pessoa, vou deixar (um pouco) de lado as reminiscências religiosas e colar uma dimensão política em minha fala.
Nesse corte, o objeto de meu desprezo é o mito de muita gente. Desprezo mitos (ainda considere a Fênix) e objurgo ainda mais essa gente que cultua mito homofóbico, machista, racista, mentiroso, negacionista, fascista, ladrão de joia...
Desprezo seguidor de mito homofóbico mais que o próprio, suposto que a legenda em si está a cumprir um papel (o que não lhe merece em nada), já seus apaniguados deveriam entender a devoção enquanto opção e não uma crença (cega e acrítica) convolada na aceitação de seu ódio.
Cervantes, como nenhum outro, trata o tema metaforicamente, ao projetar a Quimera no embate do Quixote com os moinhos de vento, naquilo que mimetiza a luta interna do homem em favor do bem, colorindo nossa ancestralidade virtuosa em oposição à opulência viciosa dos inimigos da humanidade.
Adaptação baby, adaptação, suposto que seleção natural nunca foi sobre força bruta e ódio, e sim adaptação. Essa é uma verdade científica e não um arroubo negacionista – isso explica, em grande medida, porque tanta gente bate palma para o mal e vira as costas para o bem.
Desprezar, todavia, não é sinônimo de desconhecer. É preciso conhecimento do mal para enfrentá-lo. Foi o que fiz ontem (27/11), lendo quase 500 das 884 páginas do Relatório 4546344/2024, tirado da investigação da Polícia Federal que abarca a tentativa de golpe de estado a que os fascistas deram causa.
Quando, enfim, o sono venceu, capitulei por algumas horas (quatro), despertando em tempo de deixar na espreita as páginas restantes e buscar um diálogo pelas páginas desta Folha. É o que estou a fazer agora, para dar significado à jura que venho renovando desde 2016 – fascistas não passarão!
É estarrecedor o que leio. De consequência imediata e muito engajado na efervescência do sentimento que aflora, anuncio a cada conhecido que optou por passar pano para fascista: não somos amigos, que a mim não é possível ser amigo sem amar meu amigo e você (desinteligente tutor de fascista) não consegue ser amigo de quem desafie pelas diferenças. Que lhe desatine pela empatia. Que lhe questione pela aceitação e acolhida.
Você é a versão piorada dessa circunstância egoística que aparta pessoas pela condição social, pela cor de pele, pelo sexo, e só vê nas minorias um índice de exploração.
Sei que minha amizade não lhe fará falta, ainda assim teimo em perseguir meu grilo falante, que conheci menino nas margens do ribeirão Jagora – onde, desde cedo, aprendi que a vida é mistura e que minorias importam mais que qualquer movimento do mercado.
Leiam, questionem, não se fechem em preconceitos obtusos que não são senão resquícios de maldade que o fascismo plantou na terra. Tristes trópicos. Saudade, Pai.
João dos Santos Gomes Filho, advogado