Desprezar alguém significa desconsiderar essa pessoa, seja por sua desimportância, seja pelo amálgama das relações convolar (ao aleatório da vida) uma conjuntura tal, da qual não fazemos muito caso – desprezo é puro suco de desinteresse e, bem por isso, convola desapego intrínseco a determinada conjuntura.

O que destoa na caminhada costuma chamar nossa atenção. Manja a ave eterna? A Fênix ilustra a ponderação, naquilo que sua condição mitológica dá a medida de uma vertente mágica do espectro racional da narrativa histórica, desenhando a canção aleatória da imaginação.

Enquanto mito redivivo a Fênix prende nossa atenção, conjugando a maior das valenças de bem viver, consubstanciada no ‘para sempre’ – não aquele forever dos contos de fada, mas o eterno que desafia o próprio dogma da finitude e aproxima o homem de Deus – afinal, se a ave eterna ressurge da própria cinza, ela se faz notar, seja por sua condição especial, ou por sua conexão com a eternidade.

Assim é que seguimos conduzindo o caos que pontuou a morte, em tempo de viabilizar o ressurgimento – em que pese este que vos incomoda (pelas páginas desta Folha) seguir carregando enorme culpa cristã, à mingua de alguns dias de glória!

O que ou quem desprezo eu, então? Todo aquele que desconsidera o outro tem e merece o meu profundo desprezo, haja vista meu desinteresse aflorar cada vez que, no plano do tédio, as ideias descolam da fraternidade, abraçando o egoísmo.

Já falei (sigo falando) do padre Júlio e sua extraordinária disposição de se importar com o outro. Ao atuar no seio dos descamisados o padre, via de regra, incomoda aqueles a quem desprezo.

Há, pois, muita gente que faz meu radar de bem querer ativar (padre Júlio) e outros tantos que desprezo (Malafaia). Penso que isso não passa só comigo. Cada um de nós tem um GPS próprio que abraça o bem querer, ao tempo em que faz desandar os incômodos que a vida vomita...

O problema de conviver com intolerantes está, então, na própria intolerância, e isso me ensina não tolerar quem não tolera as diferenças que molduram as minorias, abraçando a cadela fascista em seu viés de pensamento único.

Todavia e para que você, meu outro leitor, não tenha uma expressão beatificante de minha pessoa, vou deixar (um pouco) de lado as reminiscências religiosas e colar uma dimensão política em minha fala.

Nesse corte, o objeto de meu desprezo é o mito de muita gente. Desprezo mitos (ainda considere a Fênix) e objurgo ainda mais essa gente que cultua mito homofóbico, machista, racista, mentiroso, negacionista, fascista, ladrão de joia...

Desprezo seguidor de mito homofóbico mais que o próprio, suposto que a legenda em si está a cumprir um papel (o que não lhe merece em nada), já seus apaniguados deveriam entender a devoção enquanto opção e não uma crença (cega e acrítica) convolada na aceitação de seu ódio.

Cervantes, como nenhum outro, trata o tema metaforicamente, ao projetar a Quimera no embate do Quixote com os moinhos de vento, naquilo que mimetiza a luta interna do homem em favor do bem, colorindo nossa ancestralidade virtuosa em oposição à opulência viciosa dos inimigos da humanidade.

Adaptação baby, adaptação, suposto que seleção natural nunca foi sobre força bruta e ódio, e sim adaptação. Essa é uma verdade científica e não um arroubo negacionista – isso explica, em grande medida, porque tanta gente bate palma para o mal e vira as costas para o bem.

Desprezar, todavia, não é sinônimo de desconhecer. É preciso conhecimento do mal para enfrentá-lo. Foi o que fiz ontem (27/11), lendo quase 500 das 884 páginas do Relatório 4546344/2024, tirado da investigação da Polícia Federal que abarca a tentativa de golpe de estado a que os fascistas deram causa.

Quando, enfim, o sono venceu, capitulei por algumas horas (quatro), despertando em tempo de deixar na espreita as páginas restantes e buscar um diálogo pelas páginas desta Folha. É o que estou a fazer agora, para dar significado à jura que venho renovando desde 2016 – fascistas não passarão!

É estarrecedor o que leio. De consequência imediata e muito engajado na efervescência do sentimento que aflora, anuncio a cada conhecido que optou por passar pano para fascista: não somos amigos, que a mim não é possível ser amigo sem amar meu amigo e você (desinteligente tutor de fascista) não consegue ser amigo de quem desafie pelas diferenças. Que lhe desatine pela empatia. Que lhe questione pela aceitação e acolhida.

Você é a versão piorada dessa circunstância egoística que aparta pessoas pela condição social, pela cor de pele, pelo sexo, e só vê nas minorias um índice de exploração.

Sei que minha amizade não lhe fará falta, ainda assim teimo em perseguir meu grilo falante, que conheci menino nas margens do ribeirão Jagora – onde, desde cedo, aprendi que a vida é mistura e que minorias importam mais que qualquer movimento do mercado.

Leiam, questionem, não se fechem em preconceitos obtusos que não são senão resquícios de maldade que o fascismo plantou na terra. Tristes trópicos. Saudade, Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado