A questão do pedágio
Rubens BuenoAs concessionárias das estradas paranaenses ganharam na Justiça o direito de mais que duplicarem as atuais tarifas cobradas. Trata-se de um aumento de 116%, numa economia teoricamente sem inflação. O prejuízo, além de atingir todos os usuários de automóveis, também afetará negativamente a economia paranaense, principalmente o setor agrícola, o setor dos produtores de calcário e todos os setores obrigados a usar as estradas para o transporte de produtos com baixo valor agregado.
Essa majoração dos custos tende a inviabilizar seus negócios, em benefício não dos Estados vizinhos, que já estão em guerra fiscal, mas em benefício especialmente dos estrangeiros, para os quais interessa que o Brasil continue eternamente deitado em berço esplêndido, sem nunca se livrar de seus arcaísmos e taxas que inviabilizam os produtores, enquanto fazem a alegria dos especuladores.
Caso a Justiça conceda em caráter irrevogável esse aumento de 116% – o julgamento seria na sexta-feira, mas a discussão não entrou na pauta do Tribunal Regional Federal (TRF) – o pedágio representará em alguns casos, como no caso do calcário transportado entre Curitiba e Cascavel, quase 15% do valor do produto. Trata-se de um custo absurdo por um trecho tão pequeno de estrada, que sequer leva o calcário até um porto, por exemplo.
Convém lembrar mais uma vez: quando o atual governo propôs-se a privatizar a economia, seguindo o modelo recomendado pelos Estados Unidos, esqueceu-se de que naquele país do Norte existe uma tradição inexistente no Brasil: as agências de fiscalização. Ora, as concessionárias das estradas não têm ninguém que as fiscalize até hoje, nem existe um foro de debates sobre o tema. As planilhas de custos não são acessíveis à sociedade, o que é um absurdo, numa democracia.
Por isso, é extremamente oportuna a iniciativa do diretor-superintendente desta Folha, ex-senador José Eduardo Andrade Vieira, de criar um fórum para discutir a concessão das rodovias. O fórum, cuja primeira rodada de discussões foi realizada ontem, em Londrina, é uma maneira de democratizar a discussão sobre o tema, de forçar governo e concessionárias a abrir os contratos que até agora são mantidos em sigilo.
Há um ano e meio, o governo paranaense simplesmente agiu com racionalidade, ao concordar em reduzir os preços cobrados pelo pedágio. Agora, vem a Justiça e derruba a decisão do Executivo, e surge a questão – afinal, quem tem o poder para reavaliar e renegociar os contratos de concessão das rodovias?
Triste País o nosso, em que as ‘‘reformas’’ muitas vezes escondem apenas negociatas, onde os direitos da população são desprezados a ponto de ninguém saber como, afinal de contas, pode-se resolver um problema que nem existiria, se existissem as agências de fiscalização, defendida no Fórum de Londrina.
Há que se lembrar que a promessa feita aos eleitores com a abertura da economia e privatização dos serviços antes públicos era a de diminuir o chamado ‘‘custo Brasil’’. A decisão da Justiça deixa o governo e o povo paranaenses numa encruzilhada. Ou eles esperam anos, talvez décadas, pela construção de ferrovias e hidrovias que viabilizem o custo de sua economia, ou será inevitável que as privatizações, surgidas com o pretexto de resolver os problemas do Estado, causem o estrangulamento de diversos setores produtivos, pois não só o pedágio, mas também as tarifas telefônicas e de eletricidade estão tendo majorações sucessivas a taxas superiores às da inflação. Num quadro como esse, seria otimismo exagerado esperar que linhas ferroviárias ou hidroviárias de caráter privado sejam, no futuro, a solução dos problemas.
Enquanto isso, assistimos aos produtores de calcário e aos agronegociantes definharem, graças ao arrocho promovido pelas concessionárias de estradas, que, diga-se de passagem, foram construídas com o dinheiro público. Hoje, o milho tem quase 5% de seu custo representado pelo pedágio; com a decisão da Justiça, passará a 8%. No caso da soja, os custos relativos ao pedágio pularão de 2,3% para 4,7%. O calcário passará a embutir no seu preço, em vez dos 6,38% atuais, 14,9% referentes aos custos do pedágio. Um caminhão de cinco eixos paga, em média, R$ 225 de pedágio. Os efeitos desse preço na economia, se traduzidos em termos da produção de soja, representariam 10,12% de toda a área plantada, ou um desembolso de R$ 142 milhões, todos os anos.
O PIB do agronegócio, que representa mais de 30% do PIB estadual, simplesmente não tem condições de arcar com uma despesa tão desproporcional. O Paraná, embora tenha uma economia competitiva dentro de suas fronteiras, inviabiliza-se perante a Nação, em decorrência do alto custo do transporte.
É inadmissível que qualquer concessão pública, como é o caso da concessão das estradas, continue alheia à demanda por transparência exigida pela sociedade. Resolver esse problema é fácil, desde que os homens públicos ajam tendo em vista o interesse público, e não as modas ideológicas que fazem alguns repetir, como bobos, as esparrelas em que querem que acreditemos.
- RUBENS BUENO é deputado federal pelo PPS-PR