O ditado diz que na vida existem apenas duas certezas: a morte e o pagamento de tributos. De fato, em uma sociedade minimamente organizada em que o Estado é o agente da coordenação política, social e territorial, o pagamento na forma de impostos, taxas e contribuições é essencial para manter a funcionalidade da atividade estatal.

No plano pessoal, ou mesmo organizacional, pagar tributos é transferir uma parte da renda que poderia atender a uma finalidade específica para o Estado, que utilizará esse recurso para um fim que não necessariamente atenderá a expectativa imediata do contribuinte. A ideia liberal preconiza a redução do tamanho do Estado e, consequentemente, a menor necessidade de tributar, de tal forma que todos os agentes privados tenham mais recursos para atender suas próprias necessidades. Por outro lado, todos desejamos mais serviços públicos de melhor qualidade, mas temos baixa disposição para transferirmos parte da nossa renda visando financiá-los: encontrar o equilíbrio entre o privado e o coletivo é bastante complexo.

A par dessa complexidade, a estrutura estatal brasileira é singular, pois há sempre o desejo de elevar a arrecadação tributária. Existe um índice, elaborado conjuntamente por duas universidades alemãs, que compara a complexidade tributária entre cem países. Nele, o Brasil ocupa a centésima colocação, ou seja, entre os países pesquisados, apresentamos o sistema tributário mais complexo.

Nesse contexto surge a mais recente medida adotada pelo governo federal no campo tributário, a chamada “MP do contribuinte legal”, referente à Medida Provisória 899/19, que legisla sobre débitos fiscais e conflitos tributários entre contribuintes e União. De acordo com o texto, propõe-se descontos de até 70% em conjunto com a dilação do prazo para pagamento. Diante de uma situação fiscal cambaleante, o governo federal faz valer qualquer medida que gere, pelo menos no curtíssimo prazo, um volume financeiro a mais nos cofres públicos e um alento ao contingenciamento de gastos.

Há, porém, duas implicações diretas que devem ser consideradas. A primeira refere-se ao fato de que o governo não adota ações visando simplificar o complexo sistema tributário e prefere adotar medidas excepcionais e paliativas a realizar a tarefa de reformar todo o sistema tributário brasileiro. Tal reforma é mais do que necessária, pois ela tem a capacidade de destravar engrenagens enferrujadas da economia, gerar crescimento, emprego e renda. Medidas paliativas que atendam apenas aos interesses de um pequeno grupo, os devedores, são naturalmente injustas e não resolvem o problema.

Já a segunda implicação é o caráter seletivo e discriminatório da medida, afinal ela concede benefícios a agentes contumazmente devedores. Isso se configura um estímulo negativo à sociedade, pois os devedores são premiados com uma grande bonificação, enquanto os que arcam pontualmente com o fardo tributário não recebem nenhum tipo de benefício.

A MP, portanto, é um estímulo para que os bons pagadores se tornem maus pagadores, gerando um problema ainda maior no futuro para as contas públicas. Sendo assim, a medida provisória deveria receber a alcunha de “MP do contribuinte ilegal”.

RODOLFO COELHO PRATES, doutor em Economia e professor do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)