Assisti a minissérie da Netflix chamada “O monstro ao lado” ("The devil next door" é o título original). A série conta a história do julgamento de John Demjanjuk, um imigrante ucraniano que vivia no subúrbio de Cleveland, nos EUA, e fora acusado no final dos anos 70 de ter sido um aliado dos nazistas num campo de concentração.

Nos EUA, a acusação contra John Demjanjuk era de que ele havia falsificado documentos e ocultado sua verdadeira identidade em 1952, quando imigrou da Ucrânia como refugiado de guerra e obteve a cidadania americana. Segundo a acusação, Demjanjuk era, na verdade, "Ivan, o terrível", um sádico guarda colaborador dos nazistas que ficava à porta das câmaras de gás onde milhões de judeus foram mortos no Holocausto. "Ivan, o terrível", controlava a entrada da câmara de gás e conseguiu superar a própria maldade do diabo pois, com uma espada, mutilava os judeus que caminhavam para a morte.

Após ser processado na EUA, não pelos crimes que teria praticado na Europa, mas em razão da fraude no seu pedido de naturalização, Demjanjuk foi extraditado para Israel para ser processado pelos crimes contra a humanidade, como sendo "Ivan, o terrível".

A comoção que se instalou em Israel não precisa ser dita. Na terra dos judeus julgar um nazista era tratado com algo desnecessário. Um nazista, para um judeu, não merece ser julgado, merece simplesmente ser morto.

O primeiro empecilho para o julgamento foi encontrar um advogado de Israel disposto a defender Demjanjuk. Coube ao advogado Yoram Sheftel, um judeu, defender o acusado.

Desde o início da acusação, ainda em solo americano, Demjanjuk alegava que ele estava sendo confundido, que ele não era "Ivan, o terrível". A defesa de Demjanjuk não negava que os crimes haviam existido, mas alegava que Ivan, o terrível era uma pessoa e Demjanjuk era outra.

O processo em Israel foi o primeiro processo criminal transmitido ao vivo em solo judeu. Foi um processo judicial televisionado pelo mundo e que durou mais de um ano, com a sentença de primeira instância condenando Demjanjuk à morte.

Yoram Sheftel recorreu da sentença à Suprema Corte de Israel, mantendo a defesa de que Demjanjuk não era "Ivan, o terrível". Toda a opinião pública de Israel estava a favor da condenação e a decisão da Suprema Corte de Israel de mantê-la era tida como certa. Em 1993 a Suprema Corte de Israel cassou a sentença de primeiro grau e absolveu Demjanjuk, considerando que no processo ficou demonstrado haver uma dúvida razoável de que Demjanjuk não era, de fato, Ivan.

A par da história espetacular contada, do massacre que de fato aconteceu com o povo judeu, dos crimes cometidos pelos nazistas e de tudo que isto representa para humanidade, um aspecto dos acontecimentos chama a atenção porque pode ser visto no Brasil de hoje.

O judiciário, em qualquer julgamento, não pode se pautar pela opinião pública. O caso de Demjanjuk talvez tenha sido o caso mais emblemático da Justiça Israelita de todos os tempos. Toda a opinião pública estava atenta aos acontecimentos. Tratava-se do caso de um acusado de ser nazista que já chegara a Israel condenado, por assim dizer, pela mídia e pelas autoridades americanas de ser "Ivan, o terrível".

Neste caso, sequer havia polarização da sociedade, com uns a favor e outros contra Demjanjuk. Era um caso de um país inteiro contra uma pessoa, que sequer era nacional. Era uma nação contra seu maior inimigo. Demjanjuk já estava condenado à morte em primeira instância e, mesmo diante disso tudo, a Suprema Corte de Israel absolveu Demjanjuk dos crimes de que fora acusado, a despeito da pressão popular e a despeito da simbologia que aquilo significa ao povo judeu.

Tendo sido certo ou errado o julgamento, o fato é que juízes não podem julgar sob a ponta de uma espada ou, modernamente, sob likes ou dislikes. Juízes de verdade devem julgar com fundamento na constituição, nas leis e nas provas dos processos.

João Eugenio Fernandes de Oliveira, advogado em Londrina.