A 600 quilômetros de onde estou hoje, e mais de 55 anos atrás no tempo, vive uma lembrança que ainda me é doce: a chegada da Cativa a Londrina — e, antes dela, o tempo em que o leite tinha cheiro de estrada e poeira.

Naqueles dias, o leite não vinha em caixinhas estéreis. Era vendido em carroças, transportado em grandes latões de alumínio, cada qual com uma torneirinha de metal. O freguês trazia sua caneca ou vasilha, e o leiteiro despejava ali a medida do dia. Sempre sobrava um chorinho: ora para segurar o cliente, ora para compensar a diferença das medidas, pois os latões, apesar de prometerem um litro, não passavam de 900 ml. E já era um avanço — melhor do que o tempo em que se tirava o leite direto do ubre da vaca no quintal de casa, ou se ia buscá-lo nos retiros nos arredores da cidade.

Foi lá por 1966, talvez 1967, que a Cativa nasceu. Eu tinha 13 anos e começava a aprender a dirigir, ajudando meu pai na linha de leite que atravessava o Três Bocas até a nova cooperativa.

Meu pai, Dermeval Frossard, foi um dos fundadores, ao lado dos amigos Luiz Monteiro, Chico Lima e Pedro Rezende. Quero lhe dar o mérito de idealizador — ele já havia fundado uma cooperativa em Santa Isabel (SP) —, mas nenhum sonho prospera sem aliados. E eles tinham uma união inabalável.

Lembro das viagens: São Paulo, Brasília... ônibus quando dava, avião quando urgia. O dinheiro era pouco; a esperança, muito. Cada gasto era pesado na balança da necessidade.

No colégio Londrinense, estudava com Adauto, filho do Chico Lima. Quando descobriram nossas ligações com a Cativa, começaram as brincadeiras: "Minha mãe achou um lambari no leite da Cativa!" ou "Ouvi dizer que secaram o corguinho da cooperativa de tanto misturar água!". A gente ria, levava na esportiva — tempos em que até o bullying era, de certa forma, mais inocente.

Jamais esquecerei o dia em que meu pai trouxe o primeiro litro de leite engarrafado pela Cativa. Eu e meus irmãos combinamos: contaríamos até três e brindaríamos juntos. Mas, moleque levado, virei meu copo no "dois" e saí correndo para escapar da surra prometida. Talvez tenha sido eu o primeiro a provar o leite da Cativa em toda Londrina. Perdão, manos!

A Cativa cresceu, ganhou prêmios, conquistou a cidade. Seus queijos — prata, minas, frescal —, sua manteiga dourada, o doce de leite que era pura poesia. A garrafa de vidro cedeu lugar ao saquinho plástico e, depois, ao longa vida — quando isso aconteceu, eu já estava longe.

Vi de perto a plataforma da cooperativa receber grandes e pequenos produtores. Mil litros ou cinquenta: não importava. O primeiro a chegar era o primeiro a ser atendido.

Cada latão era testado, medindo densidade e acidez, garantindo um leite limpo, sem água nem desonra.

O que era orgulho e conquista, com o tempo, foi manchado. Com tristeza, soube da venda da Cativa para uma multinacional. Evieram os rumores — dolorosos — de desvio de dinheiro, ferindo o esforço dos verdadeiros cooperados que a ergueram.

O tempo passou. Mas em algum lugar, ainda posso sentir o gosto daquele leite fresco, daquela esperança líquida que enchia não apenas copos, mas corações.

Dermeval Franco Frossard, fiscal aposentado da Receita Estadual de Minas Gerais

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