A Parábola do Retorno do Filho Pródigo contada no Evangelho de Lucas (Lc 15, 11-32) apresenta três personagens emblemáticos: o pai, o filho mais novo (o denominado “pródigo”) e o filho mais velho (o que permaneceu junto ao pai na propriedade da família). O mais novo, arrependido, retorna à casa paterna após ter dispersado toda sua herança numa vida dissoluta e prostra-se diante do pai implorando por perdão e acolhimento. O pai, movido por misericórdia, se regozija com a volta daquele que se encontrava perdido e o acolhe com cálida e nobre recepção, não somente perdoa, como o reintegra à família, devolvendo-lhe toda a dignidade perdida.

Na descrição do evangelista, o filho mais velho estava no campo no momento do encontro do pai com seu irmão que retornou. Ele mantém-se em pé, distante do irmão que retornou à casa paterna após revelar total incapacidade para gerir sua própria vida. Relata Lucas: “Quando voltava para casa ouviu músicas e danças, então ele ficou com muita raiva e não queria entrar”.

Nos parece natural reconhecer a similaridade da tela O Retorno do Filho Pródigo, do mestre holandês Rembrandt (1663–1669), com um paciente anônimo que, fragilizado, busca por atendimento médico. Ambos, como seres biopsicossociais e espirituais, encontram-se com suas vidas ameaçadas e apelam pela assistência de autoridade dotada de saber, capaz de oferecer o desejado retorno à plena saúde física e emocional. O filho pródigo frequenta os ambulatórios médicos, sendo atendido pelos docentes e acadêmicos de nossas faculdades de medicina.

Quais semelhanças poderíamos perceber entre as figuras do pai e do filho mais velho retratados na tela e os profissionais que exercem atualmente a medicina no Brasil? Certamente, poucos deles, em suas atividades rotineiras, se aproxima da atitude acolhedora do pai, mas em prestar atendimento no menor tempo possível, prescrever qualquer droga sintomática ao paciente, solicitar alguns exames laboratoriais e desfazer-se desse incômodo e mal pago compromisso.

Na medicina high-tech, que substitui a do high-touch, não há mais lugar para o toque, o acolhimento, o exame físico detalhado. Muitas são as alegações que pretendem explicar esse comportamento profissional, mas todas são incapazes de justificá-lo. Apontam-se os baixos salários e o investimento insuficiente em saúde pública, o que, sem dúvida, faz ampliar a distância entre médico e paciente.

Mas tais atitudes também revelam, por um lado, a mesquinha arrogância do saber e, por outro, a progressiva adesão dos profissionais à enganosa e perversa medicina defensiva, condições essas que tornam mais eloquente a semelhança do médico de nossos dias com a figura do filho mais velho retratado pelo pintor. O mesmo intolerável desprezo pelo sofrimento humano, quer seja dirigido ao irmão mais novo da passagem do Evangelho de Lucas, quer seja destinado aos pacientes humildes desse nosso país injusto e desigual.

É fundamental, portanto, intensificar as buscas por novas estratégias que visem formar médicos que mais se assemelha à figura do pai na obra-prima de Rembrandt, profissionais que detenham habilidades para acolher e reconhecer a real dimensão do sofrimento humano, que saibam manter relação dialógica eficaz e sejam preparados para adotar decisões clínicas compartilhadas, que respeitem os valores e crenças pessoais dos pacientes por eles atendidos.

Não faltam dados que demonstram de forma inequívoca a necessidade de os egressos dos cursos de graduação seres dotados dessas novas atitudes para o exercício profissional, para que possam honrar os ensinamentos do pai da medicina, que fez constar entre seus preceitos o seguinte mandamento: “onde está o amor ao homem [paciente], estará presente também o amor à arte [médica]”.

JOSÉ EDUARDO SIQUEIRA é médico, professor de Fundamentos da Bioética do Programa de Mestrado em Bioética da PUCPR. É doutor em Medicina; mestre em Bioética