A lei também é para os poderosos
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sexta-feira, 13 de julho de 2001
O recente anunciado aumento feito pelo governo de elevar a contribuição paga pelas empresas ao FGTS, de 8% para 8,5%, acrescido do reajuste de 10% sobre a multa por demissão injustificada, que passa de 40% para 50%, transferindo para a iniciativa privada boa parte do ônus pela não correção do saldo com base nos planos Verão e Collor 1, representa um dos últimos assaltos da Receita ao bolso do contribuinte e mais um balde de água fria sobre a competitividade das empresas e do próprio País, às vésperas da aprovação do Alca.
O Plano Verão foi aquela tentativa moribunda do governo Sarney de atacar a inflação que, à época, beirava os 90% ao mês, enquanto o Collor 1 representou um tresloucado assalto à economia popular, marcado pelo bloqueio dos cruzados, constituindo-se em arroubos e desmandos autoritários.
Na época, insurgimo-nos contra o que nos parecia o prenúncio de um grande desastre e fomos o primeiro escritório de advocacia do País a obter uma vitória contra o bloqueio dos cruzados. Infelizmente, nossa iniciativa teve um alcance limitado, não incidindo, portanto, sobre outros erros do passado que agora estão sendo corrigidos, à custa do contribuinte.
De 89 a 90, durante os planos Verão e Collor 1, os donos do poder da época aproveitaram a troca de moeda para não corrigir as contas do FGTS pela taxa integral de inflação, como seria o certo. Tanto é assim, que, recentemente, a Justiça deu ganho de causa aos trabalhadores, obrigando o Executivo a pagar, com juros e correção monetária atrasados, uma conta de mais de R$ 40 bilhões.
Mas, seguindo a lógica do leão orquestrada pelo Fisco, segundo a qual jamais se contempla um corte de gastos governamentais e, sempre que possível, faz-se o impossível para encontrar uma nova receita que substitua ou amplie a anterior, o governo encontrou uma fórmula mágica de não arcar com o passivo do FGTS. Graças a um acordo feito com setores empresariais e de trabalhadores, o governo irá desembolsar apenas R$ 6 bilhões do passivo total.
Enquanto o governo fez um ótimo negócio, adivinhe quem arcará com o restante? Os contribuintes pessoa física, representados pelos trabalhadores, supostamente beneficiados com a decisão judicial que reconheceu o seu direito adquirido pela correção dos depósitos, arcarão com um pedaço da dívida do governo. Trata-se de um valor da ordem de R$ 5 bilhões, correspondente a um deságio que varia de zero a 15%, dependendo do tamanho da conta. Já os contribuintes pessoa jurídica arcarão com o pagamento de uma fatura de quase R$ 20 bilhões. Na prática, eles serão duplamente onerados: pelo aumento da contribuição do FGTS e pela multa por demissão sem justa causa.
Saltam aos olhos duas conclusões um tanto óbvias, mas que merecem ser ressaltadas, haja vista o fato delas explicitarem a conduta difusa, surpreendente e, muitas vezes ilegal, de decisões oficiais em matéria de impostos e contribuições: de um lado, fica claro que uma dívida de responsabilidade exclusiva do Tesouro está sendo parcialmente repassada a quem não deve; do outro, há que se destacar o caráter injustificável do governo de adotar dois pesos e duas medidas em matéria fiscal, quando isso lhe interessa.
Poderíamos afirmar, sem sombra de dúvida, que nas questões relativas a débitos fiscais em atraso, a União adota o critério, segundo o qual alguns são mais iguais do que outros. Para o contribuinte, vale a lei e para a própria União, o acordo. Portanto, o preceito óbvio de que as leis existem para serem cumpridas e dívidas para serem pagas também não vale para os poderosos.
Esse péssimo exemplo de conduta do Estado só pode ser corrigido mediante a firmeza do cidadão na defesa das liberdades e iniciativas individuais garantidas pela Carta Magna. É ela quem define os limites extremos a que se pode chegar, tanto os indivíduos quanto os governantes.
A determinação defensável do governo de zelar pelo equilíbrio fiscal torna-se indefensável no cotejo com as normas que devem prevalecer num estado de direito. Nele, o que prevalece não são as vontades de uns sobre os direitos de outros e sim o respeito às leis, às decisões judiciais e à vontade da maioria, respaldada pela lei maior, que é a Constituição. Parece óbvio, mais uma vez, exortar o cidadão a pensar e agir, inclusive frente aos excessos do Estado, tendo como sustentação de seus atos aquilo que todos devemos aceitar como regra de convivência numa sociedade justa e democrática: a lei.
- NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES é advogado tributarista em São Paulo