É a terceira vez que a Igreja Católica insiste no tema da fome, nos últimos 40 anos. Com a frase bíblica de Mateus 14, “dai-lhes vós mesmos de comer”, assim os bispos desejam que seja abordada esta temática com fé no coração, mangas arregaçadas e língua denunciante! Não é um tema pacífico, por vários motivos! A bem da verdade, não era para termos nenhuma necessidade de apontá-lo, nesta terceira década do milénio! A fome estava erradicada do país. Mas voltou. Voltou com tudo. Milhões de cidadãos vão dormir todas noites, com uma sensação inexplicável para quem, no máximo, fez um jejum quaresmal ou passou adiante uma rotineira refeição. Mas ela mata. Vai matando aos poucos por gerações, determinando como homens viverão e o que serão por muitas décadas! Em crianças, a fome, atrapalha o desenvolvimento de capacidades como a memória e a atenção, a leitura e a aprendizagem de linguagens, o que leva ao mau rendimento escolar. Os números são terríveis. E não são da Igreja católica! Dos 211,7 milhões de brasileiros e brasileiras, 125,2 milhões convivem com alguma Insegurança Alimentar (leve, moderada ou grave), dentre os quais, mais de 33 milhões de pessoas enfrentam a fome em nosso País. São 15,5% da população brasileira.

A Igreja faz o que pode. Sempre o fez, porque em última análise, é mandamento do Senhor. Instituições de caridade surgiram na Idade Média e o modus operandi dos primeiros cristãos revela uma sensibilidade epidérmica aos pobres e famintos. “Tive fome e me destes de comer...” (Mt 25,35). Os Vicentinos, por exemplo, estão presentes em 150 países, nos cinco continentes, e contam com mais de 800 mil membros. Há 150 anos no Brasil, o país concentra o maior número de vicentinos no planeta, com cerca de 100 mil membros, espalhados por 20 mil conferências. Semanalmente a instituição distribui mais de 800 mil quilos de alimentos, arrecadados por meio de campanhas junto aos colaboradores, além de remédios, roupas, materiais escolares e utensílios diversos. Estima-se que 200 mil famílias sejam atendidas pelo movimento. Porém, temos outras várias frentes: A Cáritas Brasileira, Movimento contra a Carestia, Pastoral da Criança, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e agricultura familiar, Economia Solidária, Economia de Comunhão e Economia de Francisco e Clara e vários produtores rurais que transformaram grandes propriedades em agricultura familiar.

Contudo, à Igreja Católica compete não apenas ser assistencialista. Ela deve colocar o dedo na ferida e apontar as causas desta tragédia “sempre previsível”! A estrutura fundiária brasileira inadequada, a política agrícola perversa que coloca o sistema produtivo a serviço do sistema econômico-financeiro são algumas das causas. Aqui, em geral, não se produz para comer. Produz-se para exportar e lucrar! Mas há mais: O desmonte de todo o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), especialmente do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que facilitavam o alimento saudável, produzido pela agricultura familiar, chegar à mesa dos pobres, das escolas e demais instituições do Estado, bem como o esvaziamento dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento, a CONAB.

Mas, como uma tragédia nunca vem só, temos uma “carga dupla da má nutrição”, ou seja, a coexistência do excesso de ultraprocessados e da falta de nutrientes na alimentação. Assim, numa família que passa por uma situação de insegurança alimentar pode haver indivíduos desnutridos e obesos ao mesmo tempo. O Brasil é campeão mundial em obesidade em crianças e mulheres em idade fértil!

Não se espera mais nada que não seja combater esta chaga com todas as armas que estejam à mão! “Quem tem fome tem pressa” (Betinho)

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina