A esquerda e a direita tradicional no divã
No Brasil a esquerda se petrificou num linguajar acadêmico, anos luzes do chão da favela onde moram hoje 16 milhões
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segunda-feira, 18 de novembro de 2024
No Brasil a esquerda se petrificou num linguajar acadêmico, anos luzes do chão da favela onde moram hoje 16 milhões
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
Malgrado seja uma época de polarização medíocre ausente de debates sérios e producentes, onde certas questões tendem a ser enquadradas em simplistas soluções, o debate deve ser provocado.
A esquerda tem amargado derrotas desde a década passada, embora “ainda” se mantenha no poder. Sublinho as aspas! Num divã improvisado, não são poucos os que se lamuriam, jogando a culpa em elementos externos sem que em nenhum momento apelem para uma mea-culpa. Agora é a vez do partido Democrata americano, depois da derrota para Trump que venceu não só em número de delegados, mas no voto popular. “Onde erramos”, eis a pergunta do momento nos EUA “azul”.
Os fatos não mentem: Trump venceu entre os trabalhadores que ganham até 100 mil dólares, ou seja, entre os pobres. Harris nas famílias com rendimentos superiores. Apesar dos índices econômicos estarem em geral melhores do que há quatro anos, a percepção não foi sentida no bolso e Kamala pagou caro em não ter observado a movimentação das placas tectônicas socais, na América e no Mundo.
Trump também passou de 8% a 16% nos afro americanos de 2020 para esta eleição e emigrantes já legalizados votaram em geral nele. Por sua vez, a prefeita negra não se reelegeu em S. Francisco, a cidade mais “progressista” do país. Fato é, que a esquerda lá, como em todo lugar, está perdendo o povo.
Ela continua insistindo em pautas que lhe são caras, como questões de igualdade de gênero, cotas para minorias, programas sociais, meio ambiente, democracia, etc. Não está errada. Mas o cérebro e, principalmente a boca das classes C e D, mostra-se pouco interessado nelas na hora da eleição. E o pior: tudo indica que esses grupos não se contentem mais com as políticas sociais de transferência de renda. Parecem aspirar um upgrade! O empreendedorismo atrai mais do que o “pé de meia”! No Brasil a esquerda se petrificou num linguajar acadêmico, anos luzes do chão da favela onde moram hoje 16 milhões e que se tornou numa fonte de energia e pujança ou, no caso americano, alheia ao empobrecimento geral da população.
Em 2002 Lula contou com grande apoio do meio católico e evangélico. As periferias, as “igrejinhas das esquinas” e as Comunidades Católicas de Base vibravam com a vitória progressista. Era um tempo específico com um discurso apropriado. A esquerda seguiu o seu caminho repleto de tropeços, mas continuou falando àqueles eleitores. A mesma linguagem, os mesmos programas. Esqueceu o óbvio: houve uma mudança de época e as novas gerações vivem numa outra esfera!
O mesmo se diga das religiões. O esforço do papa Francisco não tem sido outro, se não adequar o arcabouço moral e ético do cristianismo aos tempos atuais. Com o neopentecostalismo idem, sobre o pentecostalismo e as Igrejas históricas. À migração do público entre as várias confissões religiosas corresponde fenômeno similar no espectro político.
Aparentemente, a direita captou isso. Mas não foi uma “direita qualquer”! Foram grupos mais extremados, que usam as redes e mídias sociais com maestria. Aliás, vimos o que aconteceu com o Musk nos EUA como o grande aliado de Trump! Ele tem mais de 200 milhões de seguidores! Assim como o filho de 18 anos do presidente eleito que obteve enorme sucesso em seu respectivo público. A direita tradicional, mais próxima do centro, parece ter-se esvaziado. Pelo menos por enquanto!
A esquerda precisa se reinventar se não quiser ter a sua certidão de óbito. Os pobres não votam errado nem são “bastardos”, como já foram chamados. Mas a direita tradicional deverá passar pelo mesmo processo. O populismo e o nacionalismo, aliados a fábricas de desinformação e mentiras, têm potencial para arruinar a forma antiga de fazer política!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

