A ecologia social e as relações humanas
Espaço aberto de 23 de janeiro de 2025
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
Espaço aberto de 23 de janeiro de 2025
Espaço aberto de Paulo Bassani
Félix Guattari, em sua obra *As três ecologias*, afirmava: “A ecologia social deverá trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius”. A relevância desta afirmação para a humanidade nesta segunda metade da década de vinte do século XXI é fundamental e de uma importância vital. Ela nos faz pensar na recuperação do ser humano, num tempo de desumanização, escassez, guerras, fome, miséria e emergência climática. Se as primeiras referem-se a determinados países, etnias, segmentos sociais, a última diz respeito a todos nós. Não há outra opção!
As tentativas de acabar com as guerras e conflitos, com a fome e a miséria, se estendem por anos, décadas, até mesmo séculos. Hoje não temos esse tempo de espera para reverter o processo instalado da emergência climática. O planeta foi e está sendo altamente impactado pelas tecnologias modernas que imprimiram um desgaste enorme sobre os biomas planetários continentais e marítimos, em todos os continentes e em todos os mares. Nossa experimentação social, que atribui a dominação da natureza sob todos os aspectos, fracassou e nos levou a este quadro.
Nunca se falou tanto sobre a situação em que nos encontramos. Já não bastam encontros, conferências, protocolos, acordos que, depois de declarados e assinados, são imediatamente esquecidos nas prateleiras da história. O não cumprimento destes, pelas razões econômicas, sociais, políticas e pelos modos de viver adquiridos nesta contemporaneidade, merece um frear imediato, para começar, na sequência, a recompor as peças perdidas e destroçadas pelo estilo moderno de viver.
O problema coloca-se da seguinte maneira: haverá possibilidades de a ecologia social reivindicar seu lugar na história como recompositora de nossas relações sociais destroçadas? Haverá possibilidade de um consenso mínimo, respeitando as diversidades, para viver? Haverá tempo para implementar tais transformações profundas e necessárias ao nosso tempo? Ou estaremos condenados a um fim trágico num planeta que nos acolheu e agora nos expulsará? Pois ela não necessitou de nós para existir, mas possibilitou a experiência humana por cerca de 200 a 230 mil anos. Agora, numa sexta extinção, já elegeu seu algoz: os próprios seres humanos que não souberam usufruir das benesses que um planeta, nem tão distante de uma estrela, assim como nem tão próximo, possibilitou as condições de habitabilidade da vida e da vida humana.
Por isso, hoje se faz importante pensar qual o pensamento que nos levou até aqui e qual o pensamento, conhecimento e práticas que vão nos orientar daqui para frente. Esse será um enorme desafio que teremos que enfrentar! Trata-se de abrir espaços para outros saberes, deixarmos de lado a forma como o sistema hegemônico nos colocou num cenário avassalador, para que outros saberes e práticas possam entrar em cena.
Sabemos, filosófica e cientificamente, que outros saberes, outras experiências estão aí, apenas precisamos descobri-las, ou até mesmo dar visibilidade a muitas delas que ocorrem às margens hegemônicas. No geral, não tiveram espaço para crescer, para se demonstrar, para ter visibilidade. Sem contar que existem outros tantos que ainda não são visíveis, se encontram em fase embrionária, outros que ainda não nasceram, mas se cultivarmos um chão fértil poderão nascer, emergir e demonstrar toda sua força, suas cores, seus brilhos.
Essa percepção, a partir da compreensão de que nossa existência e continuidade dependem desta atitude que reverta os estragos para estabelecer uma recuperação e, posteriormente, uma preservação horizontalizada de nossa história colada à história natural, de que somos componentes partes autodestrutivas, porém também pensantes e responsáveis.
Eduardo Galeano afirmava: “Devemos tomar consciência de que os direitos da natureza e os direitos humanos são dois nomes da mesma dignidade. E qualquer contradição é artificial”. Quem sabe, nessa mudança paradigmática, as guerras, conflitos, fome e miséria poderiam ser estancadas nessa compreensão sensível do modo de viver, apreendendo e compartilhando o tempo de vida com todos os seres vivos que coabitam na biodiversidade planetária. Aí seremos humanos de fato em todos os níveis do socius, como aliados, amigos na formação de uma mesma Teia da Vida.
Paulo Bassani é cientista social

