A difícil arte de governar - Maria Lúcia Victor Barbosa
PUBLICAÇÃO
sábado, 19 de fevereiro de 2000
A difícil arte de governar
Maria Lúcia Victor BarbosaSe conquistar o poder é difícil, mantê-lo não é menos complicado. E com relação a essas dificuldades, lembremos que política é terreno escorregadio e mutável no qual o jogo das ambições e das vaidades desencadeia mudanças bruscas a todo o momento.
Obviamente as sociedades são dinâmicas, e os indivíduos estão sempre a fazer escolhas que afetam seu destino. A diferença, porém, reside no fato de que os atos individuais afetam apenas a vida da própria pessoa e de algumas que lhes são próximas, ao passo que as ações levadas a efeito na esfera da política produzem alterações que, se forem indesejáveis, poderão trazer consequências negativas que infelicitarão não apenas a Nação no seu momento presente, como as gerações futuras.
A última mudança brusca em nosso meio político, que gera apreensão, aconteceu nesta semana no Congresso Nacional quando a criação do bloco PSDB-PTB, e seu crescimento com o acordo feito com deputados ligados à Igreja Universal para darem apoio ao governo em votações importantes, fez a bancada tucana trocar de lugar com o PFL, passando do terceiro lugar para o primeiro.
Agora é a seguinte a composição da Câmara: Em primeiro lugar, o bloco PSDB/PTB com 127 deputados. Em segundo, o bloco PMDB/PST/PTN com 102. Em terceiro, o PFL com 101. Segue-se o PT com 60; o PPB com 52; Outros, com 50; e o PDT com 21 deputados.
Portanto, saíram ganhando o PSDB e o PMDB, os quais com a tradicional técnica da rasteira, a mesma utilizada pelo PFL em outras ocasiões, empurraram este partido para baixo causando enorme fúria e inconformismo em suas hostes.
A reação imediata dos parlamentares do PFL foi a de prometer vingança ao governo, não votando mais a favor de projetos necessários ao País ou deturpando-os. Isso poderá acontecer, por exemplo, com a emenda dos inativos, considerada como vital para que seja cumprido o ajuste fiscal acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). E como o Executivo vai precisar dos 101 deputados e dos 21 senadores do PFL, para aprovar emendas constitucionais, a governabilidade do País pode ser gravemente afetada.
Também os pefelistas Inocêncio Oliveira e o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, acenam com a possibilidade de voltarem a lutar pela regulamentação da edição das medidas provisórias, o que em última instância pode significar a imobilização dos projetos do Executivo que se veria manietado.
Quanto ao salário mínimo, que se chegar a US$ 100,00 causará à previdência um adicional de US$ 7 bilhões ao ano, colocando o governo em maus lençóis, começa a se converter na bandeira do destronado PFL, que anteriormente sempre esteve contra os aumentos deste salário.
Roseana Sarney, governadora pefelista do Maranhão, sob brilho dos holofotes das televisões, declarou que pagará aos funcionários do seu Estado, que ganham salário mínimo, R$ 177,00. Como conseguirá tal proeza é difícil saber, dado que o Maranhão está longe de ser um dos Estados mais bem-sucedidos da federação. Mas quem sabe a governadora irá pedir mais recursos ao governo que agora hostiliza?
Utilizando-se da típica retórica de campanha, ela disse também que agora se sente livre para fazer o que bem quiser em relação ao governo. Normalmente, porém, por conta de suas más administração e de suas condutas perdulárias, os governadores vivem apegados à esfera federal, de pires na mão. Se Roseana for exceção, o que é de se duvidar, melhor para os funcionários do Maranhão.
Essas atitudes do PFL, que nada têm a ver com o bem comum, lembram o que escreveu Simón Bolívar em 1830, desencantado que estava com as lides do poder: A América Latina é para nós ingovernável.
A propósito da ingovernabilidade, refresquemos a memória com relação ao governo de José Sarney: sua popularidade como presidente chegou no auge em fevereiro de 1986 com o Plano Cruzado, quando a inflação, que era de 16,23% em janeiro, caiu para zero, aumentando o poder de compra dos brasileiros, em especial dos mais pobres. Tem que dar certo, era o slogan. Mas não deu. A inflação retornou e os juros subiram para 500% ao ano.
Em dezembro de 1988 apesar do Plano Bresser de 1987 a taxa de inflação foi de 28,79%, atingindo no ano 933,6%. A par disso, a produção industrial sofreu em 88 uma queda de 3,2% em relação ao ano anterior.
Em 1989, o Plano Verão não impediu que em agosto a inflação fosse de 29,34%, e o que se chamara de transição transformou-se no vácuo do poder. Prevalecia a falta de autoridade, o pendor desleixado para o desgoverno, a indefinição.
O final do governo foi melancólico. O presidente que durante o breve período do Plano Cruzado batera recordes de popularidade, tornou-se desacreditado. Segundo pesquisa do Ibope realizada de 6 a 12 de julho de 1989, junto a 2.750 pessoas, 71% delas responderam que não confiavam no presidente Sarney e 39% classificaram atuação do chefe do governo como péssima.
Resumindo, Sarney decretou três planos econômicos que não deram certo, mudou quarenta e seis vezes seu ministério teve 65 ministros em 28 trocou inutilmente quatro ministros da fazenda e quatro presidentes do Banco Central e deixou a economia do País arruinada com uma inflação de 2.750% ao ano depois de tê-la recebido com índices de 225% anuais. Nos últimos dias do governo Sarney, a inflação chegou a 80% ao mês, demonstrando a inequívoca situação de desorganização a que o País chegara.
Agora a filha de Sarney quer chegar à presidência da República. Será que a ingovernabilidade é hereditária? Lembremos que erros políticos podem infelicitar gerações.
MARIA LÚCIA VICTOR BARBOSA é socióloga, escritora e professora universitária em Londrina. E-mail: [email protected]