Estamos nos deparando com movimentos reacionários que, lamentavelmente, nos direcionam para uma mentalidade típica da década de 1970, período de censuras e repressões. Desde 1990, a Educação Sexual vinha obtendo adesão de profissionais das escolas e também progredindo, paulatinamente, em termos de sua aplicabilidade nas salas de aula e de aceitação pelas famílias.

Várias situações de repressão a professores/as por trabalharem a Educação Sexual na escola têm acontecido, de modo especial, a partir de 2012. No final de março, em Primeiro de Maio, município paranaense a 70 km de Londrina, por conta do livro Sexo na Cabeça, de Luís Fernando Veríssimo, algumas mães de alunos dos 7º e 8º anos do Colégio Estadual Marechal Castelo Branco - que teriam por volta de 11 a 12 anos de idade -, apresentaram denúncia ao Ministério Público do Paraná (MPP) de que a professora estaria ensinando conteúdos inadequados.

A professora declarou ao Jornal Extra Classe, de 28/03/2022, que recebeu apoio da direção, da equipe pedagógica, dos colegas de trabalho e de alunos, e que a atividade foi feita sob supervisão e aprovação da coordenadoria pedagógica. Disse, ainda, que esse livro, “em nenhum momento, aborda o assunto sexo de forma explícita ou pornográfica e foi um entre 20 indicados para a leitura dos alunos”.

Certamente, tristeza e muitas ideias perturbadoras permearam e permeiam a mente das crianças e adolescentes que acompanharam a experiência ocorrida nesse colégio: uma esmagadora deseducação sexual.

Como profissional com grande experiência na formação de educadores sexuais, posso assegurar que é possível fazer um trabalho de qualidade, voltado para a formação humana de nossas crianças, adotando leituras como a do livro supracitado, acompanhadas de criticidade e debates.

Crianças, adolescentes e jovens se veem constantemente diante de uma polarização: por um lado, discursos e ações conservadores, recheados de tabu, em que se transmite a ideia de que sexo é um assunto proibido, algo vergonhoso, sujo, como acontece no fato acima citado; por outro, nas diversas mídias - impressas e televisivas -, na internet e em letras de músicas, conteúdos instigadores de uma vivência sexual quantitativa, pobre de respeito mútuo e de respeito e cuidado com o próprio corpo.

Diante dessa doentia e deseducativa polarização, para salvaguardar a saúde mental e sexual dos/as educandos/as e também para que a escola tenha sentido para a vida destes/as, é necessário e urgente que haja um trabalho educativo na escola, que traga conhecimentos científicos sobre todos os temas ligados à sexualidade e que abra espaço para reflexões, criticidade e promoção dos valores humanos. Do contrário, continuaremos a ver sempre o aceleramento no número de jovens e adultos frustrados em sua vida afetivo-sexual, de gravidez não planejada, de violência sexual, de transmissão das Infecções Sexualmente Transmissíveis, entre outras problemáticas.

Parabenizo o colégio, por se comprometer com a formação integral, e a professora, por desenvolver o trabalho com a anuência da direção e da equipe pedagógica. Em tempos difíceis, “todo cuidado é pouco”, como se diz popularmente.

Alerto as escolas de que é preciso conhecer os documentos que dão suporte à Educação Sexual, para não deixar esmorecer a coragem que ela demanda. Entre eles, está a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que, embora desmereça os temas da sexualidade, favorece alinhamentos com a Educação Sexual emancipatória e intencional, como, por exemplo, nas Competências Gerais da Educação Básica e em muitas Habilidades (Objetivos) de vários Componentes Curriculares (Disciplinas ou Matérias). Na página 15 da BNCC, consta que pode ser incorporada “aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global [...]” e que “Os professores com os estudantes têm liberdade de escolher temas, assuntos que desejam estudar [..

Mary Neide Damico Figueiró é psicóloga, doutora em Educação, professora aposentada da UEL e autora de 4 livros sobre Educação Sexual