É consenso global que ela é o bem mais precioso que temos, mas estamos longe de valorizá-la como deveríamos. O Brasil segue ineficiente e irresponsável na gestão de seus recursos hídricos e apesar de algumas melhorias em curso, estamos bem distante de termos um quadro ideal, que contemple o atendimento a toda população, aos setores produtivos da economia e o respeito à natureza, que clama para que utilizemos esse recurso essencial à vida com seriedade e de forma sustentável.

Dados recentes do Instituto Trata Brasil, que tomou a iniciativa de criar um ‘Esgotômetro’ calculam que o país despeja na natureza 5.336 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento todos os dias. É um número assustador. Quase 100 milhões de brasileiros (46%) não possuem acesso à coleta de esgoto e como causa desse quadro, nosso Sistema Público de Saúde se sobrecarrega por doenças que seriam facilmente mitigadas se tivéssemos o básico que é o saneamento. É um drama social.

Embora, por exemplo, o SNIS e o próprio Instituto Trata Brasil tenham um papel de bússola fundamental para conhecermos alguns desafios do setor no país, as análises são, em sua maioria, ligadas a organismos governamentais, e há uma dificuldade imensa para retratar qual é a parcela da iniciativa privada responsável por causar imensos danos. Não temos um atlas completo sobre o quanto empresas, indústrias, condomínios e centros comerciais descartam todos os dias, de forma irregular, milhões de litros dos mais diversos tipos de líquidos que causam impacto extremamente nocivo a rios, lagos, ao solo e aos lençóis freáticos.

Intensificar a fiscalização em regiões de polos industriais, por exemplo, seria um grande passo rumo a identificação de quem atua de forma irregular. Mas ao entrarmos com estas ações teríamos que enfrentar diversos gargalos que passam pela falta de um projeto sério e de âmbito nacional para coibir e autuar essas empresas, até questões que envolvam o ataque a corrupção e a falta de estrutura dos agentes públicos, que deveriam fazer valer a lei diante de crimes ambientais e contra a sociedade.

Além do descarte irregular de efluentes e da imensa falta de estrutura de saneamento no país, temos, ironicamente, o problema do desperdício. Em média, no Brasil, quase 40% da água que é captada e tratada é perdida, escorre pelos ralos. A quantidade seria suficiente para garantir o abastecimento a mais de 63 milhões de pessoas em um ano.

Temos o desperdício em regiões onde há abundância de água e não promovemos medidas mitigadoras de consumo mesmo onde o recurso é escasso por falta de investimentos em infraestrutura, monitoramento e controle dos sistemas de distribuição.

Em ambos os casos, falta incentivos ao reuso, que é um instrumento de mitigação eficaz e essencial em todas as regiões do Brasil. Ao não adotá-lo, além dos danos ambientais graves, há perdas econômicas gigantescas, tanto para grandes industriais, como para consumidores residenciais. Ao reutilizar a água e usá-la de forma sensata, tanto o bolso como a natureza serão beneficiados.

A crise hídrica que ainda afeta diversas regiões do país e deverá ser intensificada nos próximos meses, com a chegada dos períodos de estiagem nas estações de outono e inverno, já derrubou, ou ao menos deveria ter derrubado, a falsa proteção ilusória de que o Brasil tem água doce em abundância, com 12% da disponibilidade global. Isto é fato, assim como é fato que somos um país continental e todo esse recurso está distribuído de forma desigual, sendo cerca de 80% na região Norte, e apenas 3% nas áreas próximas ao Oceano Atlântico.

Soma-se a essa distorção os efeitos cada vez mais sentidos relacionados a novos contaminantes nas águas e das mudanças climáticas, cada vez mais vorazes e constantes, na qual constatamos que não podemos perder uma gota sequer, se queremos injetar competitividade aos nossos negócios e oferecer dignidade e saúde a todas as comunidades no País.

Apesar desse quadro complexo, há esperanças de que conseguiremos avançar na gestão da água no Brasil. O novo Marco Regulatório do Saneamento - que prevê ofertar água potável a 99% da população e disponibilizar coleta e tratamento de esgoto a 90% das pessoas até 2033 – tem avançado em diversas frentes. A expectativa é que traga também inúmeros benefícios ao setor privado, com reflexos altamente positivos para o meio ambiente e para a comunidade. O público terá que se ajustar e o privado não poderá permanecer à margem, terá que tratar corretamente seus efluentes.

Temos que despertar no dia 22 de março pela manhã cientes de que precisamos de uma ducha forte que promova uma mudança cultural na relação que temos com água. É preciso enxergá-la com olhos de gratidão e respeito e abraçar a bandeira do uso consciente, nos transformando em um consumidor responsável que não só faça a sua parte, mas que inspire outros a fazer o mesmo e que cobre das autoridades e das empresas no seu entorno.

A água é parte do que somos, a maior parte, aliás. Tratá-la com desdém é semear dias áridos em nossas vidas. Não nos falta conhecimento e tecnologia para buscarmos a harmonia. Basta lembrarmos que água é vida, e esse deve ser um mantra recitado todos os dias.

Diogo Taranto é diretor de Desenvolvimento de Negócios no Grupo Opersan

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.

COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]