Sabe aquela sensação de estar perto de algo familiar, mas ao mesmo tempo distante? É assim que me sinto em relação à Mata Atlântica. Vivemos nesse bioma, respiramos seu ar, mas tenho dúvidas se realmente a enxergamos. O dia 27 de maio foi dedicado a ela e essa pergunta se mostra não apenas relevante, mas urgente.

Passeando pelos museus vemos que sobram fotos antigas com homens brancos, sorridentes, ao lado de árvores enormes derrubadas. Parece que celebramos a ausência, a conquista sobre a floresta. A Mata Atlântica, casa de mais de 70% dos brasileiros, carrega a triste marca de ser o bioma mais ameaçado do país. Será que esse é o retrato que queremos deixar para as futuras gerações? Precisamos construir uma nova história!

É comum ouvir pessoas se referindo a um pedaço da nossa floresta como "mato". Mas isso parece diminuir a complexidade e a beleza que reside ali. Aquele conjunto de espécies não é um amontoado de plantas sem importância. É como chamar um quadro de Monet de "borrão". E a verdade é que a Mata Atlântica implora por nossa atenção, da nossa ação, pela urgente regeneração de suas áreas degradadas.

Dias atrás, uma colega educadora me contou algo muito legal. Ela disse que para avaliar o que as crianças absorvem numa visita a um parque natural, é pedido para desenharem uma floresta antes e depois do passeio. No primeiro desenho, geralmente surge um verde meio sem graça e com poucos detalhes. Mas depois da experiência na floresta… ah, o papel ganha vida! Uma infinidade de árvores, flores coloridas, bichos no chão e sobre as árvores. É como se os olhos se abrissem para um mundo novo!

Eu confesso que não sou um bom desenhista, mas tive a sorte de caminhar por florestas com pessoas que me ajudaram a conhecer minúcias. Os técnicos da universidade e diversos colegas de trabalho, com seu olhar treinado, apontavam cada detalhe, cada planta rara e cada animal camuflado. Os professores, com a ciência na ponta da língua, me mostravam as intrincadas relações ecológicas. Meus amigos e familiares, com o coração aberto à natureza, compartilhavam sua admiração. Até as crianças, com sua curiosidade aguçada, me fizeram notar coisas que passavam despercebidas.

Essa gente que me mostrou a beleza da Mata Atlântica não aparece - ainda - em fotos de museu. Mas eles estão vivos na minha lembrança e fazem parte do meu desenho da floresta. A minha floresta tem, sim, pessoas, pois devemos estar integrados ao ecossistema, é repleta de muitas plantas, com aves cantando, muita umidade e cheiro de flores.

No remanescente florestal mais bem conservado do Norte do Paraná, o Parque Estadual Mata dos Godoy, já foram catalogadas cerca de 500 espécies de plantas. É muita vida! A gente não precisa saber o nome de cada uma, mas é fundamental entender que as florestas precisam ficar em pé e pulsando em seus incontáveis tons de verde.

Acredito que a chave para cuidarmos da Mata Atlântica está justamente em nos conectarmos com ela. Espero que todos possamos nos permitir essa imersão, visitando áreas verdes com mais frequência e aos poucos desvendar suas belezas e compreender suas funcionalidades. Quiçá assim trocamos a degradação dos nossos “bosques” pela ampliação das florestas urbanas, pelo ganho de escala das agroflorestas e pelo fortalecimento dos parques e reservas. E você, como desenharia a sua Mata Atlântica hoje?

Gustavo Góes, associado da ONG MAE e membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Londrina

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