Jurisdicionalmente um bairro de Jacarezinho (PR), praticamente uma comunidade ligada a Ourinhos (SP), tal a proximidade e o mercado de trabalho, Marque dos Reis surgiu em 1937, do encontro de duas ferrovias, o nome na estação. Sinal dos tempos, o bairro situa-se agora no vértice de duas rodovias federais, a BR-369 e a BR-153, convergentes na margem esquerda do Paranapanema onde está a ponte entre o município paranaense e o paulista.
Contrariando projeto da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) na década de 1950, Marques dos Reis não se transformou em cidade. A empresa, controlada por herdeiros de Gastão de Mesquita Neto e que mantém a Fazenda São Francisco, vizinha ao perímetro urbano de Marques, é a referência local mais consistente desde 1960, quando o patrimônio ainda se desenvolvia.
Atualmente são 2.100 habitantes, há uma escola municipal e outra estadual, pavimentação de pedras irregulares, posto de saúde e a comunidade está pleiteando rede de esgoto, indispensável à execução de um programa de habitação popular. Não é distrito, apenas um bairro urbanizado a 18 quilômetros de Jacarezinho e a um quilômetro de Ourinhos.
Há os que se mudaram para Ourinhos e continuam a votar em Marques, cujos 1.000 eleitores mantêm representante na Câmara Municipal de Jacarezinho, já por três legislaturas consecutivas José Izaías Gomes, o Zola, que chegou em 1969, então policial militar transferido de Ribeirão Claro. Ele informa que Jacarezinho optou por nove vereadores, quando poderia elevar o número para 13, e sendo o presidente da Câmara em 2009 e 2011, conseguiu que o dinheiro economizado e devolvido à Prefeitura, fosse destinado a obras em Marques. Pelo interesse do bairro, saiu do PMDB para o Democratas e agora está no PT.
''É uma vila de Ourinhos''
Se alguém deseja ouvir uma síntese, é apresentado a Sebastião Marques Ferreira, paulista de Bernardino de Campos que chegou à Fazenda São Francisco em 1960 (um tio era o administrador), mudou-se para Marques em 61 e trabalhou ''no Seixas'', o primeiro estabelecimento comercial. Versátil, dedicou-se a atividades contrastantes, entre as quais operador (ou ''projecionista'') do cinema e locutor de concursos de calouros no recinto. ''Mandamos gente para o programa do Sílvio Santos'', recorda.
''Dizem até que eu sou o Sebastião Marques dos Reis'', comenta, sobre a longevidade no lugar, onde se casou e nasceram os três filhos. Festas que atraíam gente de Ourinhos e restaurantes cheios de viajantes, quando Marques era entroncamento rodoferroviário, estão na memória de Sebastião. ''Têm de restaurar a estação, é um monumento, fico até com dó ao vê-la se estragando'', afirma.
''Aqui é uma vila de Ourinhos'', resume Sebastião a tendência na atualidade. Concorda José Izaías, estimando que, à exceção de uns poucos trabalhadores em fazendas e 35 na concessionária das rodovias (pedágio), a força de trabalho de Marques está empregada em Ourinhos (103 mil habitantes no município), polo regional economicamente mais forte do que Jacarezinho (cerca de 40 mil habitantes). Pela manhã, ''a circular (ônibus) tem horário dobrado'' para levar trabalhadores Ourinhos.
Além de empregos, há em Ourinhos supermercados e estabelecimentos de outros ramos, encontrando-se produtos a preços inferiores até em comparação aos de Curitiba, segundo Izaías. Acrescenta-se a vantagem da nota fiscal do Estado de São Paulo, que restitui um porcentual de imposto ao consumidor. O transporte coletivo custa R$ 2,80; quem vai de carro próprio, gasta menos de um litro de álcool e não paga pedágio.
O nome vem da estação, um patrimônio histórico
Desconhecida de quase todos os moradores, a personalidade que nomeia o lugar não tem a biografia no currículo da Escola Municipal ''Professora Dina Tereza da Silva''. Os alunos começam a ter noção da origem da comunidade ouvindo moradores mais velhos, ''sentimos a falta de informação'', disse a coordenadora pedagógica, Mara da Silva Braga, que mora em Ourinhos e se desloca diariamente a Marques.
João Marques dos Reis (1890-1950), deputado federal constituinte pela Bahia, foi ministro de Viação e Obras Públicas do governo Getúlio Vargas de 1934 a 37 e presidente do Banco do Brasil. É o nome da estação inaugurada em 1937 no km 8 da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná, entrocamento com o ramal da São Paulo-Rio Grande partindo de Jaguariaíva.
Milhares de pessoas passaram pela estação rumo ao Norte Novo e Novíssimo. Os vagões da SP-PR vinham quase lotados da estação de Ourinhos e adiante, a cada parada, se enchiam mais, ''de um povo diferente'', queimado de sol, roupas encardidas pela terra vermelha e falando de um jeito estranho para os ''engravatados'' que chegavam do Paraná tradicional, testemunhou em 1937 o médico João Dias Ayres. ''A segunda classe refluía para a primeira e todos se amontoavam, sofrendo com o calor, o suor e o mau cheiro que vinha dos sanitários entupidos.''
Patrimônio histórico e artístico tombado pelo Estado do Paraná, a estação é uma das que serão restauradas pela América Latina Logística (ALL) conforme acordo, baseado em decisão judicial, firmado em maio do ano passado. Mas o prazo estabelecido inicialmente já terminou e a estação permanece abandonada, desde que cessou o tráfego de trens.
Elo urbanístico entre os Nortes
''Praça Lovat'', ''Avenida Willie Davids'' e a configuração urbana de Marques dos Reis correspondem a uma cidade no Norte Velho ''com a cara'' do Norte Novíssimo, a zona do arenito adiante de Maringá onde a CMNP, sucessora da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), colonizou 30 mil alqueires. ''É dos Mesquita, foram eles que formaram esse Paraná abaixo'', diz Sebastião Ferreira referindo-se a Cianorte, Jussara e Umuarama, fundadas entre 1955 e 1960 simultaneamente a Marques.
''A vontade deles era uma cidade talvez como Jussara, onde está a sede da Companhia hoje'', deduz o vereador José Izaías, mostrando a planta de Marques. Numa área de 1.180.962 metros quadrados (= 48,80 alqueires paulistas) estão assinaladas 1.012 datas perfazendo 632,9 mil metros quadrados e reservados espaços para indústrias, centro esportivo, igreja, cemitério, grupo escolar e 91.000 metros quadrados de leito para a BR-369.
Mais de um terço da área não se urbanizou, está ocupado pela agricultura, observa José Izaías. Enquanto as cidades no Norte Novo e Novíssimo evoluíram pela força das pequenas propriedades agrícolas ao redor, presumivelmente Marques teve o crescimento limitado por fazendas, o desvio do tráfego de trens, mudanças em rodovias e a perda de população ao término do ciclo cafeeiro.
Willie Davids foi prefeito de Jacarezinho e dirigente da CNTP, empresa criada por Lord Lovat para colonizar o Norte Novo de Londrina. Vendida em 1944 a paulistas, entre os quais Gastão de Mesquita Filho, a empresa denominou-se Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, em 8 de fevereiro de 1951.