BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - A Venezuela está vivendo uma escalada do número de protestos de rua, tanto em grandes como em pequenas cidades e povoados, segundo informações de ONGs locais que monitoram o assunto. Em 17 dos 23 estados, foram registradas manifestações que se intensificaram desde agosto. Em 12 desses estados, houve repressão e detenções.

Embora tenham a ditadura de Nicolás Maduro como alvo, as reivindicações apontam de modo mais direto à falta de água, gasolina, eletricidade e alimentos e para o fato de que postos de saúde e hospitais não estão equipados para funcionarem normalmente -e menos ainda durante a pandemia do coronavírus.

"Estamos vendo um movimento muito intenso de manifestações em quase todo o território nacional. Em agosto, registramos uma média de 25 por dia", diz Marco Antonio Ponce, do Observatório Venezuelano de Conflitividade Social, que recolhe dados da imprensa independente local, informação de líderes comunitários e relatos de participantes.

Apenas no último fim de semana de setembro, foram 81 protestos. E outros 237 entre os dias 28 e 1o de outubro, em 21 estados do país.

Outra característica dessa onda de protestos é que ocorre principalmente fora de Caracas, e que por isso e pela deterioração das comunicações e dos veículos de imprensa locais, são mais difíceis de descrever.

"As reivindicações principais no momento são a falta de combustível, o que numa pandemia atrapalha muito, pois as pessoas não podem ir buscar atendimento nos centros de saúde", diz. Ponce afirma que 40% dos protestos de agosto e deste princípio de setembro se relacionam a este problema.

"Depois vêm as reclamações que já estavam antes, mas agora estão agravadas: a falta de água, luz, comida, remédios, trabalho, e reclamações contra a quarentena daqueles que vivem do trabalho diário nas ruas, de modo informal."

Também há manifestações específicas, como as marchas de aposentados, que reclamam reajustes em suas aposentadorias, que não acompanham a hiperinflação do país, atualmente de 2.300%. Elas somaram 46 em agosto. Houve, também, 60 apenas pela falta de alimentos e falhas na distribuição das cestas básicas estatais (conhecidas como cestas Clap).

Na semana passada, no estado de Yaracuy, houve protestos em 14 municípios, com repressão da Guarda Nacional Bolivariana e de coletivos (milícia civil pró-governo), a quem o regime deu a autoridade para a distribuição de combustível.

"Yaracuy está com uma tensão constante desde o mês passado. É um estado muito pobre, e a situação ali é crítica. O governo mandou coletivos para reprimir os protestos, o que eles fazem com quem reprimem ou prendem não entra na contabilidade oficial de pessoas detidas", diz Ponce, que afirma que a maioria das convocatórias está ocorrendo por meio das redes sociais.

O Foro Penal, uma ONG que monitora presos políticos, afirmou, na última terça-feira (29), que 32 pessoas continuavam detidas em Yaracuy. E, desde o início de 2020, há 214 pessoas detidas em todo o país por protestar -os números não incluem as prisões feitas pelos coletivos.

Houve quatro mortos pelas forças de segurança nessas manifestações.

Outra ONG, o Observatório Social Humanitário, registrou protestos nos estados de Falcón, Aragua, Anzoátegui, Lara e Sucre, a maioria relacionados a escassez de gasolina e de alimentos.

"É como se estivessem acontecendo coisas que parecem paralelas simultaneamente, mas que no fundo estão intimamente conectadas. Por um lado está a oposição à ditadura, debatendo se as eleições legislativas devem ou não ocorrer em 6 de dezembro, se é melhor boicotá-las ou não. Por outro, a reclamação da população, que é muito mais concreta e urgente. É sobre a comida no prato naquele dia. Nesse sentido, tem havido um desgaste muito grande da classe política, que não está resolvendo essas emergências", diz Óscar Arnal, cientista político e professor da Universidade Central da Venezuela.

Para Arnal, essa revolta da população mais pobre sem uma agenda e um líder político claros pode levar a um novo tipo de manifestação contra o regime. "É necessário que surja uma oposição nova que leve em conta a urgência do momento. Não creio que se deva jogar fora o que foi conseguido por Juan Guaidó [presidente da Assembleia Nacional], mas um novo passo para o fim da ditadura seria incluir outro tipo de lideranças e de setores da sociedade", diz Arnal.

Nesta segunda-feira (5), houve uma greve de professores em todo o país. Em Caracas, foi realizada uma marcha que coletivos tentaram interromper, bloqueando ruas e intimidando os manifestantes.

Os professores conseguiram, no começo da tarde, concentrar-se na Plaza Caracas, diante do ministério da Educação. A principal reivindicação é a de reajustes salariais. Os profissionais da educação ganham o equivalente a 1 a 3 dólares por mês, enquanto a inflação do país é de mais de 2.000%.