União Europeia fala em 'horas finais' para acordo do brexit, e Reino Unido pede concessões
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Reino Unido e União Europeia (UE) subiram o tom, nesta sexta-feira (18), sobre a negociação para o acordo que definirá como ficam as relações entre os dois lados após o brexit. Mesmo assim, não houve avanços claros que possam indicar um final feliz para as conversas que se arrastam desde o início do ano.
Após mais de três anos de negociações, o brexit foi oficialmente realizado em janeiro, mas com um grande asterisco: até 31 de dezembro, as regras de comércio seguem as mesmas de antes .
Pelo cronograma, as conversas para encontrar uma maneira de resolver os impasses deveriam ter sido encerradas no último domingo (13), mas o prazo foi estendido, fazendo com que um cenário de consenso entre os envolvidos pareça cada vez mais distante.
Com a indefinição, não se sabe quais regras de comércio entre os dois lados valerão a partir de 1º de janeiro de 2021, e os esforços em busca de soluções devem prosseguir neste sábado (19).
"É o momento da verdade", disse Michel Barnier, negociador-chefe da UE, ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, nesta sexta. "Há uma chance de conseguir um acordo, mas o caminho é muito estreito."
"Temos muito pouco tempo sobrando, apenas algumas horas para trabalhar nestas negociações se quisermos que um acordo entre em vigor em 1º de janeiro", afirmou Barnier.
O negociador observou que "os pontos que permanecem em aberto nesta hora crucial são fundamentais para a UE" e pediu "nada mais do que um equilíbrio entre direitos e obrigações".
O Parlamento Europeu disse que precisa de um acordo até a meia-noite de domingo (20) para dar seu consentimento a uma votação ainda neste ano.
O primeiro-ministro Boris Johnson disse que o Reino Unido está disposto a manter as negociações, mas reiterou que não pretende ceder em dois pontos importantes: a não-submissão de seu país às regras da UE e a limitação da pesca feita por embarcações de outros países em águas britânicas.
"As coisas estão parecendo difíceis. Esperamos que nossos amigos da UE tenham senso e venham para a mesa com algo", disse Boris a jornalistas, acrescentando que "nenhum governo sensato" aceitaria abrir mão do controle de suas leis e direitos comerciais.
Não há um prazo definido para que as conversas terminem, e o debate pode se estender além do Natal.
Caso não haja acordo, os britânicos não terão mais condições especiais para comprar e vender produtos dos países da UE, como possuem há décadas. Nesse cenário, as regras da OMC (Organização Mundial de Comércio) é que terão validade, o que o premiê considera uma situação que "pode ser difícil no início".
"Mas este país vai prosperar muito, como eu já disse muitas e muitas vezes, em quaisquer termos e sob qualquer acordo", disse.
Atualmente, há livre circulação de mercadorias e serviços entre os dois lados, que movimenta cerca de US$ 1 trilhão por ano (mais de R$ 5 trilhões). A expectativa é de que um acordo possa isentar de tarifas ao menos metade desse montante.
Com a saída sem uma decisão conjunta, os negócios entre Reino Unido e países da UE terão muito mais exigências e restrições, como cotas de importação e tarifas. O primeiro impacto visível da mudança poderá ser as filas de caminhões parados perto dos postos de fronteira, aguardando que fiscais de alfândega liberem as cargas de acordo com as novas -e ainda indefinidas- regras.
Na verdade, algo semelhante já começou a acontecer. Segundo o jornal The Guardian, há correria entre as empresas para escoar suas produções antes do fim do ano e evitar as possíveis barreiras alfandegárias. Caminhoneiros relatam esperas de até seis horas para liberação devido aos congestionamentos.
Na prática, a UE busca evitar que o Reino Unido fique com acesso livre aos países do bloco, com 450 milhões de consumidores, sem ter os ônus de seguir as normas e políticas definidas em Bruxelas, como fazem os 27 países-membros.
Barnier disse que a UE precisa ser capaz de impor barreiras comerciais caso o Reino Unido mude seus regulamentos para oferecer produtos abaixo do padrão de mercado do bloco.
Na noite de quinta-feira, Boris falou por telefone com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e ambos admitiram os impasses da negociação. Em outras ocasiões semelhantes, os dois líderes emitiram notas conjuntas sobre suas conversas mas, desta vez, cada um divulgou um comunicado com sua própria versão.
Boris afirmou que "o tempo disponível é muito curto e parece altamente provável que um acordo não será alcançado a menos que a posição da UE mude substancialmente". Na mesma linha de pensamento, von der Leyen disse que "superar as divergências que persistem será muito difícil".
Há temores de que haja problemas na economia europeia durante esta transição, porque as novas barreiras romperão cadeias de suprimentos e negócios financeiros que envolvem as ilhas britânicas e o continente europeu -isso logo após um ano difícil para a economia, freada devido à pandemia de coronavírus.
ENTENDA O BREXIT
O que é o brexit?
É a saída do Reino Unido da União Europeia, que aconteceu em 31 de janeiro de 2020. O bloco reúne agora 27 países.
Por que houve brexit?
A saída foi aprovada pela maioria dos britânicos em referendo em 2016. O brexit foi proposto para que o Reino Unido não precisasse seguir regras e políticas comuns da União Europeia.
Se já houve o brexit, por que mais reuniões?
Para discutir as novas bases do relacionamento econômico e político entre o Reino Unido e a UE. O prazo de transição termina em 31 de dezembro deste ano.
Durante a transição, o Reino Unido ainda está na UE?
Não, e por isso não participa mais do Conselho Europeu, do Parlamento ou de qualquer instância de decisão europeia. Mas continuam valendo todas as regras para cidadãos, consumidores, empresas, investidores, estudantes e pesquisadores, até que se negociem novas bases.
A Corte de Justiça da União Europeia continua a ter jurisdição sobre o Reino Unido, inclusive em relação ao acordo de retirada.
E se não houver acordo durante a transição?
O comércio do Reino Unido com a UE passa a obedecer às regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) a partir do dia seguinte -1º de janeiro de 2021.
O que está sendo negociado?
Comércio de bens e serviços, investimentos, transporte, energia, regras de pesca, cooperação judicial, coordenação em ações de defesa, partilha de dados, propriedade intelectual e acesso a concursos públicos, entre outros pontos.
QUAIS OS PONTOS MAIS CONTROVERSOS?
1. Irlanda
A UE diz que não fará acordo sem garantia de que não haverá controle de fronteiras ou aduana entre a Irlanda do Norte (território britânico) e sua vizinha do sul. Para isso, seria preciso um controle no mar da Irlanda, que separa a ilha da Grã-Bretanha. O governo britânico, porém, tem sinalizado que não fará o controle marítimo e tenta aprovar no Parlamento uma lei que lhe permite romper unilateralmente normas do acordo de transição sobre esse ponto.
2. Regulação
A Europa considera indispensável para um acordo amplo de zero tarifa e zero cota o chamado "level playing field", ou seja, o compromisso dos britânicos de seguir regras trabalhistas, ambientais, fiscais e de subsídios vigentes na UE. O argumento é que isso evita competição desleal. Boris Johnson afirma que ser soberano para adotar regulamentos é um dos principais motivos que levou o país a se separar do bloco europeu. Também garante que não há intenção de baixar seus patamares de regulação, que já são no mínimo iguais aos europeus.
3. Pesca
A UE quer garantir acesso livre às águas britânicas, enquanto Boris Johnson insiste em negociações anuais, baseadas em avaliações científicas sobre a quantidade de 70 espécies de peixe e garantindo primazia aos barcos britânicos. O Reino Unido vende 80% de seus peixes para a UE e importa dos países do bloco 70% do pescado que consome. Uma solução pode ser a redução progressiva da atuação de empresas europeias nas 200 milhas marítimas (370 km) exclusivas do Reino Unido.
4. Tarifas
Acordos sobre o comércio de bens avançaram, mas a UE resiste à ambição do Reino Unido de manter acesso sem tarifas ao mercado europeu de serviços, como os de advogados e contadores.
5. Setor financeiro
Londres abriga o maior centro financeiro da Europa, e quer manter seu principal mercado para serviços bancários, seguros, gestão de patrimônio e operações financeiras. A União Europeia diz que acesso livre ao mercado não faz parte da conversa e menciona apenas cooperação "voluntária" na regulação financeira.
6. Segurança
O compartilhamento de dados sobre segurança e combate ao crime também é um gargalo, embora ambos os lados tenham intenção de mantê-lo. O problema aqui são as bases de dados de informações como impressões digitais e DNA, que são protegidas pelas regras de privacidade da UE e não poderiam mais ser acessadas pelo Reino Unido. Também é polêmico o compartilhamento de dados de passageiros de companhias aéreas.