México - Claudia Sheinbaum, uma cientista de prestígio e ex-prefeita da Cidade do México, se tornará na próxima terça-feira (1) a primeira mulher a assumir a presidência do México, com o desafio de mostrar uma liderança própria diante do legado de seu popular antecessor, Andrés Manuel López Obrador.

"O que gostariam é que estabelecesse uma diferença, que o criticasse. Não vou fazer isso. Nunca! Porque foi, é e será uma honra estar com Obrador!", afirmou Sheinbaum, que chegará ao poder como a pessoa que recebeu mais votos na história do país, após sua vitória nas eleições de 2 de junho.

"O motor de ambos é a luta por uma sociedade mais justa, mas com nuances importantes", escreve o analista mexicano Jorge Zepeda Patterson em seu livro "Presidenta". "López Obrador vem de Tabasco (sul), zona rural, enquanto Sheinbaum vem de um ambiente intelectual universitário, de classe média, cosmopolita, moderno e essencialmente urbano", destaca.

'FILHA DE 1968'

Claudia Sheinbaum Pardo nasceu em 24 de junho de 1962 na Cidade do México, em uma família judaica, laica e de esquerda. "Sou filha de 1968", repete com frequência, em referência ao movimento estudantil daquele ano. Sua mãe, Annie Pardo, bióloga renomada, foi expulsa e perdeu o cargo de professora universitária por denunciar o massacre de estudantes.

Apesar do perfil reservado, Sheinbaum foi uma ativista magnética e veemente do Conselho Estudantil Universitário (CEU) da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), recorda Guillermo Robles, seu colega de turma durante o mestrado em Engenharia de Energia em 1987.

O grupo impediu uma tentativa de privatizar a universidade e foi uma fonte dos atuais líderes da esquerda mexicana.

Sheinbaum cursou um doutorado em Engenharia Ambiental, com um estágio no laboratório Lawrence-Berkeley da Universidade da Califórnia.

Em 2000, López Obrador foi eleito prefeito da capital e a nomeou como secretária do Meio Ambiente, com uma agenda para reduzir a poluição.

'TOMAR DECISÕES

Sheinbaum retornou à vida acadêmica após a derrota de López Obrador na acirrada eleição presidencial de 2006. Ela integrou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que recebeu o Nobel da Paz em 2007.

Ao retornar à política, ela teve que lidar, como administradora de uma área da capital, o desabamento de uma escola na capital durante o terremoto de 2017 que matou 26 pessoas, incluindo 19 crianças.

Ela insistiu, de maneira metótica, que as irregularidades na construção não poderiam ser atribuídas à prefeitura.

Foi eleita a primeira prefeita da capital em 2018, quando seu mentor López Obrador finalmente chegou à presidência.

O uso de métodos científicos e tecnologia marcaram a gestão contra a Covid-19 de Sheinbaum, apesar da elevada taxa de mortalidade. "Ela usava máscara, mesmo na presença de López Obrador", que rejeitou esta medida preventiva, destaca o livro de Zepeda Patterson.

GRANDES DESAFIOS

Claudia Sheinbaum tomará posse em uma país abalado pela violência, que enfrenta desafios econômicos e diplomáticos a pouca semanas das eleições presidenciais nos Estados Unidos. "É hora das mulheres e da transformação", afirmou em várias ocasiões a líder de esquerda, que receberá a faixa presidencial do chefe de Estado em fim de mandato, seu mentor Andrés Manuel López Obrador, que deixa o governo com elevados índices de popularidade.

Sheinbaum convidou os principais líderes de esquerda da América Latina para a cerimônia, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem terá uma reunião na segunda-feira, segundo o governo do Brasil.

Na quarta-feira, Sheinbaum concederá a primeira entrevista coletiva como presidente do maior país de língua espanhola do mundo, com 129 milhões de habitantes. Ela seguirá os passos de López Obrador, que durante seis anos falou com os jornalistas cinco vezes por semana, de duas a três horas por dia.

"O maior desafio de Sheinbaum será enfrentar a situação de insegurança no México", disse Michael Shifter, analista do centro de estudos Diálogo Interamericano, de Washington.

Ela iniciará o mandato em um país que registrou quase 200 mil homicídios nos seis anos de mandato de López Obrador. Os cartéis travam disputas violentas pelo controle de territórios, do tráfico de drogas, de combustíveis roubados e de pessoas.

A violência de gênero, com 10 mulheres ou meninas assassinadas diariamente, é outro grande problema.

APAZIGAR AS INQUIETAÇÕES

A próxima presidente herda uma agenda política em grande parte idealizada por seu antecessor, que deixa quase 20 propostas de reformas constitucionais, incluindo uma polêmica sobre o Poder Judiciário que já foi aprovada.

As iniciativas preocupam investidores dos Estados Unidos e do Canadá. Shifter acredita que, ao assumir a presidência, Sheinbaum provavelmente buscará formas de apaziguar as inquietações.

"Tudo indica que ela é pragmática e entende que o México não pode se dar ao luxo de ter inimizades com os dois governos e alienar os investidores", explica.

A presidente enviou mensagens aos mercados financeiros com "a formação de um ministério plural, profissional e não doutrinário, particularmente em seu núcleo econômico", afirmou o analista mexicano Jorge Zepeda Patterson no livro "Presidenta".

As relações de Claudia Sheinbaum com os Estados Unidos, principal parceiro comercial do México e aliado crucial em temas como segurança e migração, dependerão em grande parte do resultado das eleições presidenciais de 5 de novembro no país vizinho.

Ela poderia desenvolver "um relacionamento muito bom com (a democrata) Kamala Harris porque ambas são muito semelhantes", disse Pamela Starr, professora de Relações Internacionais da Universidade do Sul da Califórnia.

"As duas seriam as primeiras presidentes de seus países. Ambas estão interessadas em fazer avançar a agenda e os direitos das mulheres. Ambas estão em sintonia no que diz respeito às mudanças climáticas", acrescenta.

Em caso de vitória de Donald Trump, a relação será "muito mais complicada, em parte porque o republicano não tem o mesmo respeito pelas mulheres governantes que tem pelos homens", explica Starr.

E a promessa de Trump de expulsar os trabalhadores sem documentos seria um grande desafio para a relação EUA-México, alertam os analistas.