Guarulhos, SP - Pressionado internacionalmente para assegurar direitos de igualdade às afegãs, o Talibã publicou decreto nesta sexta-feira (3) em que diz que mulheres não devem ser consideradas propriedade e só devem casar se consentirem com o matrimônio. O acesso à educação e ao trabalho não recebe menção no texto.

O decreto não prevê punições aos que descumprirem o que foi estabelecido, mas pede que governadores e líderes tribais colaborem para colocar as novas regras em prática
O decreto não prevê punições aos que descumprirem o que foi estabelecido, mas pede que governadores e líderes tribais colaborem para colocar as novas regras em prática | Foto: iStock

O documento, compartilhado por um dos porta-vozes do grupo nas redes sociais, afirma, entre outros pontos, que ninguém pode forçar as mulheres a se casar por coerção; que as viúvas não podem ser casadas à força e que têm direito à herança do marido; e que, em casamentos poligâmicos, todas as esposas devem ter os mesmos direitos.

O decreto não prevê punições aos que descumprirem o que foi estabelecido, mas pede que governadores e líderes tribais colaborem para colocar as novas regras em prática. Diz, ainda, que o Supremo Tribunal afegão deve emitir instruções para que todos os tribunais acolham queixas relacionadas aos direitos das mulheres.

A ausência de direitos femininos foi listada como uma das principais travas para a liberação de fundos afegãos congelados no exterior, bem como as violações recorrentes de direitos humanos. Quando o Talibã, grupo islâmico fundamentalista, retomou o poder em agosto, após a retirada das tropas ocidentais, os EUA congelaram cerca de 9,5 bilhões de dólares (R$ 53,5 bilhões) do Banco Central do Afeganistão.

A inserção do país em organismos internacionais, como as Nações Unidas, também é dificultada pela ausência de direitos femininos. O Talibã nomeou um representante para a ONU em setembro, mas países-membros da organização relutam em aceitar o grupo.

O secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, reiteradamente coloca o respeito aos direitos das mulheres como uma das condições para o reconhecimento internacional do Talibã. "Meninas e mulheres do Afeganistão estão testemunhando a rápida reversão dos direitos conseguidos nas últimas décadas, inclusive o direito de frequentarem uma sala de aula", disse Guterres em outubro, durante pronunciamento.

Quando esteve no poder pela primeira vez - de 1996 a 2001 -, o grupo proibiu as mulheres de estudar e sair de casa sem a presença de um parente homem. Ao reassumir o poder duas décadas depois, fez promessas de moderação que foram vistas com ceticismo.

Ainda que tenham, por exemplo, permitido que elas estudem - desde que separado dos homens -, os talibãs as proibiram de praticar esportes e de atuar em dramas televisivos. Às jornalistas também foi exigido que usem o hijab, véu islâmico que cobre o cabelo e o pescoço.

Também multiplicam-se os relatos de proibições para que as mulheres trabalhem, e quatro ativistas foram encontradas mortas a tiros no norte do país em novembro.

A privação do direito das mulheres ao trabalho tem sido apontada também como um problema econômico com o qual o grupo fundamentalista terá de lidar. A mão de obra feminina constitui cerca de 20% dos postos de trabalho, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de modo que as mulheres são essenciais para atenuar a catástrofe econômica que avança no país.

Ainda segundo cálculos do Pnud, sem o emprego feminino o PIB (produto interno bruto) afegão cairia de 3% a 5%, perda equivalente ao montante de 1 bilhão de dólares. A cifra representa muito para um país que tinha na ajuda internacional, agora bloqueada, cerca de 40% de sua renda. "O dano dependerá da magnitude das limitações impostas [às mulheres]", diz o programa das Nações Unidas em relatório recente.

A situação da economia afegã, abalada pela guerra, pela seca agravada com a emergência climática e pela saída da ajuda internacional, é descrita como "um choque fiscal sem precedentes" pelo Pnud. Agências internacionais projetam que 23 milhões de afegãos - mais da metade da população do país - estão ameaçados pela fome neste inverno.