Bruxelas - A única forma de evitar centenas de milhares de mortes pelo novo coronavírus e estado de calamidade nos hospitais é implantar quarentena total até que se descubra uma vacina, conclui estudo feito por 30 especialistas do Imperial College de Londres, centro de referência global em epidemiologia.

O trabalho, que usa cálculos estatísticos para prever a evolução da doença nos Estados Unidos e no Reino Unido, estima que, sem a adoção de restrições severas à circulação, as mortes podem chegar a no mínimo 1,2 milhão nos Estados Unidos e 250 mil no Reino Unido, e o número de doentes graves pode superar a capacidade do sistema de saúde em de 8 a 30 vezes.

Sem adoção de nenhuma medida de restrição de contato, esse número seria de 2,2 milhões de mortes nos EUA e 510 mil mortes no Reino Unido.

Os pesquisadores estimaram tanto o impacto da abordagem mais radical (chamada de supressão) quanto o de diferentes combinações de medidas para mitigação -cujo foco não é sufocar a epidemia, mas segurar sua evolução para reduzir ao máximo o número de mortos.

Dentre as estratégias menos radicais, o cenário com melhor resultado foi o que combinou autoisolamento e quarentena para idosos e doentes. No entanto, ele ainda superaria em oito vezes a capacidade de atendimento dos casos mais graves e levaria a 250 mil mortes no Reino Unido e 1,2 milhão nos EUA, segundo a previsão.

O estudo divulgado nesta segunda (16) levou em conta a evolução de casos na Itália e na Espanha, dois dos países mais afetados pela epidemia. Segundo o pesquisador Neil Ferguson, os dados italianos mostram que até 30% dos internados com Covid-19 precisam de tratamento intensivo, porcentagem que é o dobro do que vinha sendo previsto com base em casos de pneumonia.

Os números tiveram papel crucial na mudança de rumos da estratégia adotada no Reino Unido. O primeiro-ministro Boris Johnson, que se opunha a restrições drásticas, anunciou nesta segunda (16) que havia "chegado a hora de evitarmos ao máximo os contatos".

Pelas regras anunciadas por Boris na segunda, maiores de 70 anos não devem sair de casa, o contato social deve ser o mínimo e o trabalho remoto deve ser adotado sempre que possível, mas escolas britânicas continuarão abertas, ao contrário do que acontece em quase toda a Europa.

Segundo os epidemiologistas, as escolas respondem por um terço das transmissões virais, mas fechá-las pode ter impacto no sistema de saúde, já que funcionários podem ter que se afastar do trabalho. Por isso, o cenário mais favorável de mitigação não inclui a paralisação das aulas. Mas, para a estratégia de supressão, fechar escolas é fundamental.

Os autores concluem que, para os países que tiverem capacidade de assegurar o cumprimento das medidas, "a supressão é a única estratégia viável" para evitar grande número de mortes, ainda que "o efeito social e econômico das medidas necessárias para obtê-la seja profundo".

O momento de adoção das medidas é crucial, segundo eles. Na estratégia de mitigação, ele deve acontecer cerca de três semanas antes do pico da epidemia. Já para a supressão, deve ser adotado o quanto antes. "Mesmo países que estão em um estágio inicial da epidemia, como o Reino Unido, terão que adotá-las em caráter iminente", escrevem os especialistas.

Para eles, no entanto, é incerto que medidas radicais de supressão tenham efeito no longo prazo: "Intervenções de saúde pública como estas, com efeitos sociais tão disruptivos, nunca foram tentadas antes por um período tão longo. Como as populações vão reagir ainda é uma incógnita".

Os pesquisadores observam também que, como a evolução da epidemia é diferente em cada área do país, políticas locais de supressão podem ser mais eficazes que as nacionais e gerar resultado em menos tempo, mas não substituem ordens de isolamento mais gerais, até que seja descoberta uma vacina.

COMO FORAM FEITAS AS ESTIMATIVAS

AS PREMISSAS

- Os pesquisadores adaptaram um modelo usado para acompanhar epidemias de influenza

- O cálculo leva em conta residentes em áreas de alta densidade populacional e alta frequência de contato

- São considerados contatos em casa, nas escolas, no trabalho e na comunidade em geral

- Foram usados dados do censo para distribuição etária e composição dos domicílios

- O estudo considerou o número médio de estudantes por sala de aula e a proporção de funcionário por estudantes

- Dados sobre o número de empregados por empresa e a distribuição das firmas geograficamente também foram levados em conta

- A estimativa foi de que um terços das transmissões ocorrem nas escolas, um terço em residências e escritório e outro terço na comunidade

- Foi considerado que indivíduos com sintomas são 50% mais contagiosos que os assintomáticos, e que, uma vez recuperada, a pessoa fica imune no curto prazo

- Como dados da China mostram que até 50% das infecções não foram identificadas, o estudo considera que em dois terços dos contagiados os sintomas são suficientes para que eles os percebam e se autoisolem em até um dia, com um período de até cinco dias até a hospitalização

- O estudo considera que 30% dos internados precisarão de cuidados intensivos e equipamento de ventilação

- Com base em especialistas clínicos, considera-se que 50% dos casos graves levarão à morte

- Nos outros casos, a porcentagem de morte depende da idade

AS VARIÁVEIS

- O estudo calculou o impacto de cinco intervenções, isoladas ou em combinação. Em todos os casos, assumiu-se uma visão conservadora (pessimista) da capacidade de a intervenção reduzir a transmissão.

- Intervenções disparadas por sintomas e adotadas em um dia

- Isolamento de casos confirmados de infecção

- Autoisolamento de casos suspeitos

- Intervenções impostas pelo governo

- Isolamento de maiores de 70 anos

- Redução de contato social ao mínimo indispensável (quarentena)

- Proibição de eventos públicos

- Fechamento de escolas e universidades

AS ESTRATÉGIAS

- Supressão: todas as medidas aplicadas por 5 meses

- Supressão intermitente: as medidas são aplicadas quando as internações atingem determinado patamar e relaxadas quando caem abaixo desse patamar

- Mitigação: uma ou mais medidas aplicadas por 3 meses (isolamento de idosos, por 4 meses)

OS RESULTADOS

-Sem nenhuma medida de controle

- o pico de mortalidade acontece em 3 meses

- São infectados 81% dos americanos e britânicos, e ocorrem 510 mil mortes no Reino Unido e 2,2 milhões nos Estados Unidos apenas pela Covid-19 (sem contar mortes indiretas pela sobrecarga do sistema de saúde)

- A capacidade das UTIs se esgota em meados de abril e a demanda é de 30 vezes o número de leitos no pico da epidemia

Mitigação

- O efeito depende do momento em que as medidas são aplicadas

- A melhor combinação de medidas foi isolar doentes e idosos e reduzir ao máximo a circulação fora de casa

- A demanda por UTIs é oito vezes maior que a capacidade tanto do Reino Unido quanto nos Estados Unidos

- O número de mortes chega a 250 mil no Reino Unido e até 1,2 milhão nos Estados Unidos

Supressão

- Necessidade de tratamento intensivo cai a partir de três semanas da implantação e continua a cair a partir de então

- Capacidade de atendimento dos hospitais atende à demanda