São Paulo - Na primeira entrevista transmitida na televisão após o fim do motim mercenário em solo russo, o presidente Vladimir Putin reiterou confiança na vitória de seu país na Guerra da Ucrânia.

Exibida neste domingo (25), a declaração foi gravada antes da maior turbulência militar na Rússia desde a década de 1990, iniciada na última sexta (23) e encerrada no sábado (24).

O endurecimento do discurso em relação a Kiev e mesmo das ações militares no país vizinho é visto como uma das consequências possíveis após o motim desafiar a imagem do líder do Kremlin. Também por isso, o timing da exibição da entrevista não parece ser à toa.

"Nos sentimos confiantes e, claro, estamos em posição de implementar todos os planos e tarefas que temos pela frente", diz Putin no vídeo. "Isto também se aplica à Defesa do país, à operação militar especial [como se refere à guerra] e à economia."

Os comentários foram transmitidos pelo canal estatal Rossia sem quaisquer referências à crise com mercenários, que entraram em confronto com forças federais e ocuparam prédios administrativos no sul da Rússia. O motim foi encerrado após negociações entre o governo russo e Ievguêni Prigojin, líder do Grupo Wagner, intermediadas pelo ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko.

O jornalista Pavel Zarubin, que conduziu a entrevista, limitou-se a dizer que a gravação foi feita após uma reunião com lideranças militares, numa aparente referência a um evento ocorrido na última quarta-feira (21). Em comunicado neste domingo, a Defesa russa também não mencionou as ações do grupo mercenário.

Putin disse na entrevista que dedica a maior parte do tempo ao conflito no Leste Europeu. "Todo dia começa e termina com isso."

A crise entre os mercenários e o Kremlin escalou após Prigojin acusar o ministro da Defesa russo de enganar a população sobre a guerra no país vizinho. Pouco depois, acusou as forças russas de atacarem um acampamento do Wagner, o que iniciou o motim.

Como parte do acordo que encerrou a ação, Moscou se comprometeu a arquivar os processos criminais contra o líder mercenário, que agora terá a Belarus como nova residência, segundo disse o Kremlin.

Tropas mercenárias do Grupo Wagner deixaram Rostov-on-Don, cidade que haviam ocupado no início do motim, na noite de sábado, tarde em Brasília, e voltaram para suas bases na região. Vídeos mostram alguns moradores locais aplaudindo os mercenários durante seu recuo.

Neste domingo, Moscou aparentava tranquilidade, mas alguns pontos da capital continuavam fechados, incluindo a icônica Praça Vermelha. O feriado decretado na cidade para segunda-feira (26) está mantido.

O motim levantou questões sobre eventuais fragilidades no governo Putin, após 16 meses da Guerra da Ucrânia, e esse fator foi absorvido por adversários. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse acreditar que a crise militar na Rússia pode não ter acabado.

O chefe da diplomacia dos EUA lembrou que as tensões entre os mercenários e o governo vinham aumentando havia meses. Também afirmou que a turbulência deve afetar as capacidades de Moscou no país vizinho. "Os russos estão distraídos e divididos, e isso pode tornar mais difícil o processo de agressão contra a Ucrânia", disse à rede ABC.

Já o regime da China, aliado de Putin, manifestou apoio a Moscou. "Este é um assunto interno da Rússia. Como vizinho amigável e parceiro estratégico abrangente de coordenação para a nova era, a China apoia Moscou na manutenção da estabilidade nacional e na conquista do desenvolvimento e da prosperidade", diz comunicado.

As forças especiais da Tchetchênia, que foram enviadas para a região de Rostov-on-Don, estavam se deslocando de volta à Ucrânia neste domingo, segundo o comandante Apti Alaudinov. O paradeiro do líder mercenário Prigojin é desconhecido.