Regime nega fome em Cuba e diz que omissão de Biden agravou crise
Representantes de Havana, no entanto, admitem que a ilha passa por um desabastecimento generalizado
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 02 de setembro de 2024
Representantes de Havana, no entanto, admitem que a ilha passa por um desabastecimento generalizado
Alexa Salomão e Gabriel Antunes - Folhapress
São Paulo - Representantes do governo de Cuba no Brasil admitem que a ilha passa por um desabastecimento generalizado, que afeta inúmeros setores - e a principal causa, afirmam, é a permanência do país na lista dos EUA de nações que patrocinam o terrorismo. Produtos alimentícios, medicamentos, insumos agrícolas e combustíveis são alguns exemplos de itens essenciais racionados. Eles negam, porém, haver fome.
O conselheiro e vice-chefe da Embaixada de Cuba no Brasil, Melne Hernández, e o cônsul do país em São Paulo, Benigno Fernández, disseram à reportagem que os problemas começaram com a pandemia. Às vésperas do surto global de Covid, em 2019, Cuba recebia mais de 4 milhões de turistas por ano.
Também avançavam as relações comerciais com empresas das mais diversas nações, desde que, em 2016, Barack Obama havia retirado a ilha da lista de países acusados de patrocinar o terrorismo e buscava flexibilizar o embargo.
No período de isolamento sanitário mais crítico, governo e famílias queimaram suas reservas, afirmam os representantes do corpo diplomático. O país nem começara a se reerguer quando veio o segundo baque. Em 11 de janeiro de 2021, dias antes de deixar a Presidência, Donald Trump recolocou Cuba na lista de patrocinadores do terrorismo. Havia a expectativa de que Joe Biden fosse rever a decisão, o que não ocorreu até agora.
Segundo documento da ONU de julho de 2023, Cuba vinha registrando avanços até 2022, quando passou a sofrer o que chamou de "pesados retrocessos" por causa da pandemia e por fatores que qualificou de socioambientais. O embargo dos EUA, estima o organismo internacional, causa perdas diárias de cerca de US$ 13 milhões (R$ 73 milhões).
"A situação é bastante complexa, porque a recuperação do turismo em si é lenta. Recebemos nos sete primeiros meses deste ano 1,4 milhão de turistas, mas estar na lista de países que supostamente patrocinam o terrorismo nos traz implicações terríveis", diz o vice-chefe da embaixada cubana, Melne Hernández.
A inclusão nesse rol, no qual constam países como Irã e Síria, impõe sanções severas não apenas no quesito segurança, mas também em comércio e finanças. Empresas que compram ou vendem produtos, bem como bancos que liberem financiamentos a Cuba, podem sofrer sanções dos EUA e de países parceiros. O uso de um simples cartão de crédito internacional é bloqueado quando o turista está na ilha.
Apesar de alguns associarem o momento atual à crise vivida com o fim da União Soviética, que os cubanos ironicamente chamam de período especial, Hernández diz que não há similaridade. "Lá atrás, 85% do comércio dependia de nações socialistas, e hoje temos relações com diferentes países."
Como tentativa de superar este cenário, Cuba busca justamente aumentar a diversificação, atraindo mais viajantes e investimentos privados, afirma o cônsul do país em São Paulo, Benigno Fernández. "O momento é complicado, mas o governo não está parado, busca alternativas, e o Brasil é um parceiro importante."
Cuba vê oportunidades para não apenas elevar o fluxo de turistas brasileiros, negociando a reativação de um voo direto entre os países. Também quer atrair empresas de energia renovável, para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, e companhias ligadas ao agronegócio, em especial de açúcar e álcool, para modernizar o setor na ilha. Também há o interesse por empresas atacadistas, que poderiam ajudar na estrutura de abastecimento.