Putin e Xi Jinping forjam nova aliança e desafiam o Ocidente
O palco será a abertura dos Jogos de Inverno, boicotados pela diplomacia ocidental, com a alta tensão em torno da Ucrânia como pan
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quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
O palco será a abertura dos Jogos de Inverno, boicotados pela diplomacia ocidental, com a alta tensão em torno da Ucrânia como pan
Igor Gielow - Folhapress
São Paulo - A tumultuada história da relação entre Rússia e China entra em uma nova etapa nesta sexta (4), quando o presidente Vladimir Putin irá encontrar-se com o líder Xi Jinping pela primeira vez desde o começo da pandemia de Covid-19, há dois anos.
A hipérbole é aplicável. Após anos de aproximação cautelosa, Moscou e Pequim se colocam prontas para se mostrar ao mundo como um polo alternativo ao que acusam de hegemonia artificial do Ocidente, Estados Unidos à frente.
O palco será a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, de resto boicotados pela diplomacia ocidental, com a alta tensão em torno da Ucrânia como pano de fundo. Putin e Xi trocarão afagos, depois de terem defendido em fórum virtual uma união contra o Ocidente.
Não é algo que surgiu do nada. Basta ler qualquer discurso de Putin a partir da fala do russo em Munique, em 2007, que marcou o fim de qualquer tentativa de acomodação com o Ocidente e a Otan, seu braço armado. Ou as intervenções cada vez mais assertivas de Xi, no poder desde 2012, acusando Washington de romper o concerto multilateral do pós-guerra em favor de sua agenda.
Do ponto de vista de racionalidade política, os dois estão certos. Toda a agenda internacional após a derrota da União Soviética na Guerra Fria, em 1991, se baseou na dinâmica dos interesses americanos – por extensão, nem sempre harmônica, de seus aliados.
Washington subestimou por muito tempo dois fatores. O mais importante, a ascensão chinesa que ironicamente nasceu de uma iniciativa conjunta sino-americana contra os soviéticos.
Apenas a aceleração brutal do peso chinês na economia mundial, nos anos 2000, acendeu os alertas. Com a pujança, interligada que é com as cadeias de comércio ocidentais, veio a pretensão político-militar, encarnada em Xi.
Em 2017, Donald Trump vocalizou a reação a isso e lançou a Guerra Fria 2.0, buscando dar um norte confrontacional à sua política externa e arrumando briga de fábrica de chips a consulados chineses, de Hong Kong ao mar do Sul da China.
O segundo ponto subestimado pelos EUA foi o ressurgimento russo. Claro, não há nem sombra do império comunista e sua força de desafiar os americanos por procuração em cantos tão diversos do mundo quanto Cuba, Vietnã ou na Alemanha dividida.
Mas os americanos viram na destruição moral e física da Rússia dos anos 1990 um processo irreversível, o que foi provado um erro a partir da ascensão de Putin. Inicialmente interessado em cooperação como um igual com o Ocidente, o russo foi ignorado, e a Otan abocanhou diversos ex-satélites soviéticos.
Montado numa poderosa indústria de petróleo e gás, Putin moldou o arcabouço político e firmou-se como um czar, sobrevoando as disputas intestinas da Rússia. Legitimou seu poder reconstruindo o poderio militar do país que, além de ter arsenal nuclear comparável ao dos EUA, tem uma máquina convencional bastante azeitada.
China e Rússia não são aliados naturais, ao contrário. As vastas fronteiras desabitadas de seu país na Ásia sempre foram preocupação para Putin. Seus esforços de ocupação, contudo, trouxeram resultados frágeis, que podem ser resumidos no esvaziado campus da Universidade do Extremo Oriente, em Vladivostok.
Com efeito, os dois países quase foram à guerra em 1969. O constante entrechoque com o Ocidente, denunciado em Moscou e Pequim como imperialismo e em Washington como uma luta contra uma ditadura comunista e uma autocracia personalista, gestou a nova aliança.
Há certamente ironia no fato de que os grandes defensores do sistema multilateral hoje sejam dois países bastante distantes do conceito de liberdades individuais e democracia liberal, com históricos de repressão a direitos humanos diversos.
Até aqui, não há exatamente uma grande lista de seguidores de Moscou e Pequim – no caso de Xi, há uma de clientes, o que é diferente. Na realidade, esse parece ser mais um objetivo secundário, sendo o primário o fim da hegemonia presumida dos EUA.