SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pequim mobilizou 3 de suas 5 regiões militares para exercícios aéreos de longa distância sobre o mar do Sul da China na última semana.

Essa foi uma resposta, dada de forma típica por meio de divulgações na mídia estatal chinesa, ao aumento da tensão com Washington sobre a disputada região.

No mês passado, os Estados Unidos afirmaram pela primeira vez que consideravam o mar uma área internacional e que as pretensões territoriais de Pequim sobre 85% de sua área são ilegais.

Também em julho, dois grupos de porta-aviões americanos fizeram patrulhas na região.

Foram 6 operações de liberdade de navegação, nas quais os EUA exercem o que consideram seu direito de estar naquelas águas, neste ano, ante 8 em 2018 e 4 em 2017.

Segundo o centro Iniciativa de Investigação de Situação Estratégica do Mar do Sul da China, da Universidade de Pequim, a atividade aérea americana cresceu também.

Foram 67 voos de reconhecimento com grandes aviões, como o P-8A Poseidon, em julho.

Haviam sido 49 em junho e 35 em maio. Um deles ocorreu no domingo retrasado, quando duas aeronaves de vigilância chegaram a menos de 100 km de Xangai, algo raro.

A resposta chinesa foi divulgada principalmente pelo canal de internet Haike News, pertencente ao estatal Diário do Povo, na forma de vídeos.

Uma missão de dez horas com seis caças-bombardeiros Su-30 armados e um número não revelado de aviões-tanque sobrevoou a região, inclusive o disputado recife de Subi.

Esse atol foi militarizado a partir de 2014, numa campanha de Pequim para ocupar os dois principais núcleos de ilhas e formações desejadas no mar, as ilhas Paracel e Spratly.

Em um segundo vídeo, um piloto chinês alerta um avião não identificado a "sair imediatamente" das cercanias do espaço aéreo do país.

Nenhum dos incidentes tem data especificada, mas analistas militares chineses ouvidos afirmam que são de uma semana para cá. "Todos os exercícios são voltados para combate real", diz uma das peças.

No sábado (1º), houve, segundo a Rádio Nacional, uma simulação de ataque noturno com dois bombardeiros estratégicos HK-6K escoltados por caças.

Naquele dia, passou a valer também uma nova classificação dada pela China ao corredor marítimo entre sua província sulista de Hainan e as ilhas Paracel.

Desde 1974, eram águas consideradas "offshore", distantes da costa. Agora, passaram a ser "costeiras", um recado pouco sutil às pretensões estrangeiras na região.

Os EUA veem a militarização com preocupação. "Em 2013, a China não tinha uma Guarda Costeira. Agora tem 255 barcos de patrulha", disse na última quinta (30), em um evento, o chefe do Comando Estratégico americano, almirante Charles Richard.

Em 2016, as Nações Unidas decidiram que a queixa das Filipinas sobre a presença chinesa na região era justa. Pequim não aceita o veredicto.

Filipinos, vietnamitas, indonésios, malaios e mesmo o pequeno Sultanato de Brunei têm reivindicações nas águas da região. Mais ao norte, o estreito de Taiwan e o mar do Leste da China são outros pontos de tensão marítima com aliados americanos, como a república insular e o Japão.

Elas são ricas em peixes, vitais para as economias locais, e têm sob si reservas de óleo e gás significativas.

Mas é o controle do transporte sobre as faixas marítimas que preocupa a China. Estima-se que quase US$ 3,4 trilhões anuais sejam transportados por aquela região.

Cerca de 20% da economia chinesa depende de exportações, e elas são majoritariamente feitas pelo mar -e a área é o caminho mais curto para os principais mercados.

Além disso, cerca de 80% dos hidrocarbonetos que consome chegam ao país pelo oceano Índico, passando pelos três principais estreitos da região.

Se no passado o comércio mundial dependia do fluxo de especiarias pelo estreito de Málaca, agora é o petróleo, as commodities e as exportações chinesas que têm protagonismo na mesma área.

Para os EUA, a tarefa militar em caso de confronto é mais fácil: ao país basta negar acesso a essas rotas, enquanto os chineses precisam defende-las. Uma olhada no mapa de bases americanas e de seus aliados mostra claramente o temor estratégico chinês com seu entorno.

O consenso entre especialistas é que, apesar dos tambores de guerra de lado a lado, o conflito não é desejado por ninguém.

A ameaça integra o pacote da Guerra Fria 2.0 tocada por Donald Trump desde que assumiu o governo em 2017, que tem várias frentes.

As duas maiores economias do mundo disputam no campo econômico, com a guerra tarifária e tecnológica sobre o 5G, que agora foi ampliada ao mundo dos aplicativos, como o TikTok, e político, principalmente sobre a maior coerção chinesa sobre a autonomia de Hong Kong.

O manejo da pandemia do novo coronavírus também é disputado, e os americanos fecharam o mais antigo consulado chinês, em Houston, acusando diplomatas de espionar segredos sobre um vacina contra a Covid-19. Em represália, a representação dos EUA em Chengdu também foi fechada.

Mas essa atividade frenética de aviões e navios no mar do Sul da China coloca a região como o ponto em que pode haver um acidente -e uma eventual escalada militar.

Eles já ocorreram no passado, como o choque entre um avião espião americano e um caça chinês em 2001 ou a quase batida entre dois destróieres dos países em 2018.

A capacidade militar americana é muito superior à chinesa, tanto no campo convencional quanto no nuclear. Mas conflitos mais restritos, marítimos, podem ser assimétricos. Daí a propaganda chinesa sobre a capacidade aérea de longa distância, um grande risco ao lado de mísseis antinavios, contra suas embarcações.

Os riscos na região são maiores do que, por exemplo, em Taiwan. A ilha que Pequim chama de província rebelde tem proteção militar dos EUA e, ainda que os chineses duvidem do comprometimento de Washington na missão, arriscar uma guerra total numa invasão não faz parte de sua estratégia aparente.

Os taiwaneses, contudo, estão envolvidos também no mar do Sul da China. A república controla as ilhas Pratas, três atóis 445 km ao sul de seu território. Nesta semana, Taipé anunciou que irá reforçar a pequena guarnição que mantém lá com 200 fuzileiros navais, dobrando o efetivo local, após relatos de que a China fará exercícios militares na região.

Outro fator em questão é a dificuldade de Trump na disputa para buscar a reeleição em novembro. O prestigioso jornal South China Morning Post publicou, na terça (4), uma reportagem com analistas especulando se o presidente iria à guerra pelo banco de areia Scarborough, no mar em disputa, só para melhorar sua aprovação.

"Tanto a China quanto os países da região precisam olhar além das tentativas dos EUA de criar problemas", escreveu na segunda (4) Yan Yan, a diretora do Centro de Pesquisa de Lei e Política do Oceano do Instituto Nacional para Estudos do Mar do Sul da China.

"De outra forma, a paz e a estabilidade no mar serão nada além de conversa vazia", disse.