O próximo papa será mártir
Em artigo, padre Rafael Solano, da Catedral de Londrina, relembra palestra do então cardeal Joseph Ratzinger, em Roma
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sábado, 31 de dezembro de 2022
Em artigo, padre Rafael Solano, da Catedral de Londrina, relembra palestra do então cardeal Joseph Ratzinger, em Roma
Reportagem local
Em 2003, padre Rafael Solano, páraco da Catedral de Londrina, cursava o último ano de doutado em Roma. Na época, assistiu a uma palestra do então cardeal Joseph Ratzinger sobre o tema da Teologia no Novo Milênio.
Neste artigo, o religioso lembra detalhes do encontro. "Com seu jeito simples e sereno levando uma pasta de cor preta, um sobretudo e uma boina, entrou sua eminência o cardeal Ratzinger. Sentou-se e começou o seu diálogo com mais de duzentas pessoas presentes. Como sempre impecável, profundo, claro e contundente", conta.

Acompanhe, a seguir, o artigo de Solano.
O próximo papa será mártir
Corria o ano de 2003, estava no meu último ano de doutorado. O tempo apremiaba e vi no mural central da Gregoriana um convite: dia tal horário tal, no salão tal o senhor cardeal Joseph Ratzinger prefeito para a congregação da doutrina da Fé proferirá uma conferência sobre o tema da Teologia no Novo Milênio.
No dia citado eu estava sentado aguardando o personagem e o seu pronunciamento. A aula magna Mateo Ricci simplesmente lotada! Com seu jeito simples e sereno levando uma pasta de cor preta, um sobretudo e uma boina, entrou sua eminência o cardeal Ratzinger. Sentou-se e começou o seu diálogo com mais de duzentas pessoas presentes. Como sempre impecável, profundo, claro e contundente.
Houve um tempo para perguntas e respostas. Alguém pergunto-lhe algo inusitado e até completamente fora do tema: “Eminência como será o próximo Papa”? Ratzinger sorriu e olhando para todos nós diz com sua tonalidade suave e segura: “Como será não sei, só sei que será um mártir”. Mal sabia que estava se referindo a ele mesmo.
Geralmente temos a tendência a obstaculizar o valor do martírio. Pensamos nele como algo sublime mas ao mesmo tempo como uma realidade distante ou a uma circunstância quase que inexistente. Só que olhando os elementos históricos é baseado na profunda obra do historiador Italiano Roberto Regoli intitulada “Oltre la Crisi della Chiesa”.
Gostaria de junto a este autor refletir três tópicos sobre o Pontificado de Bento XVI. Não quero que percamos de vista o tema do martírio que ao meu ver foi o distintivo dos oito anos de pontificado. Desde o 19 de abril de 2005 até o 28 de fevereiro de 2013 este homem serviu a Igreja com a mesma característica que o fez desde quando sendo criança ainda decidiu dedicar todo o seu ser ao serviço da vinha do Senhor.
Cada momento da sua vida, do seu ministério como teólogo, como bispo na Alemanha como prefeito da congregação da fé e por último como bispo de Roma; sempre serviu ao Seu Senhor. Em primeiro lugar a sua grande incidência no ambiente cultural e acadêmico. Para Bento XVI a cultura humana está plasmada em cada cristão. Em outras palavras a cultura é uma realidade que parte de uma clara defesa do universalismo cristão e, é claro, da missão cristã. Em cada pessoa está plasmado o próprio Cristo.
“A cultura está relacionada com o conhecimento e com os valores, pois é uma tentativa de entender o homem e o mundo. Ou seja, o modo como o homem se insere no mundo e como conhece também a forma correta da comunidade onde vive” (RATZINGER, J. Fé, verdade, tolerância. O cristianismo e as grandes religiões do mundo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2007).
Um segundo elemento sobre o qual podemos analisar o pontificado de Bento XVI é o amor e a verdade como sinal visível da unidade dos cristãos. Desde o início torna-se prioridade do seu pontificado. “Ao interno uma reflexão na qual se toca o tema dos relacionamentos entre religião e razão; em 12 de setembro de 2006; Bento XVI específica o caráter de conduzir um diálogo urgente da fé racional e o seu ponto de partida é o ecumenismo” (REGOLI, R. Oltre la crisi della chiesa, Torino, 2016).
Em 2010 o cardeal Koch que será o presidente do Pontifício Conselho para Unidade dos cristãos dirá claramente: “Dois são as colunas do diálogo ecumênico segundo a proposta teológica do Papa Ratzinger: O amor e a verdade “. (L’osservatore Romano, 15/09/2010).
Um terceiro e último elemento sobre o qual gostaria de refletir a liturgia como restauração e inovação. Para Bento XVI a liturgia constitui a coluna vertebral de uma inovadora forma de entrar em diálogo com muitas pessoas na sua Opera Omnia “Teologia della Liturgia”; ele exprime de modo magno a fundação sacramental da existência crista.
A afirmação do mistério celebrado e de modo especial a inserção no sacramento como sinal vivificador. Os sacramentos pressupõem a continuidade histórica do agir de Deus como o seu lugar concreto na comunidade que vive; que é a igreja. O significado do domingo como o “terceiro dia”; memória concreta que deve ser interpretada como a real Teofania no mundo atual. Tendo sempre presente o simbolismo patrístico do dia do Senhor.
Quantos tópicos poderíamos ainda abordar. Uma vida é uma obra “Magnas” pautadas pela simplicidade e leveza. Agora seu encontro definitivo com seu Amor Definitivo leva-nos a refletir sobre o significado de sermos igreja a caminho da pátria celeste.
Descansa na paz do teu Senhor, servo humilde Bento XVI.
Padre José Rafael Solano Duran, teólogo da PUC - PR.

