Em 2003, padre Rafael Solano, páraco da Catedral de Londrina, cursava o último ano de doutado em Roma. Na época, assistiu a uma palestra do então cardeal Joseph Ratzinger sobre o tema da Teologia no Novo Milênio.

Neste artigo, o religioso lembra detalhes do encontro. "Com seu jeito simples e sereno levando uma pasta de cor preta, um sobretudo e uma boina, entrou sua eminência o cardeal Ratzinger. Sentou-se e começou o seu diálogo com mais de duzentas pessoas presentes. Como sempre impecável, profundo, claro e contundente", conta.

Padre Rafael Solano
Padre Rafael Solano | Foto: Guto Honjo/Tderumi Koga/Divulgação Catedral

Acompanhe, a seguir, o artigo de Solano.

O próximo papa será mártir

Corria o ano de 2003, estava no meu último ano de doutorado. O tempo apremiaba e vi no mural central da Gregoriana um convite: dia tal horário tal, no salão tal o senhor cardeal Joseph Ratzinger prefeito para a congregação da doutrina da Fé proferirá uma conferência sobre o tema da Teologia no Novo Milênio.

No dia citado eu estava sentado aguardando o personagem e o seu pronunciamento. A aula magna Mateo Ricci simplesmente lotada! Com seu jeito simples e sereno levando uma pasta de cor preta, um sobretudo e uma boina, entrou sua eminência o cardeal Ratzinger. Sentou-se e começou o seu diálogo com mais de duzentas pessoas presentes. Como sempre impecável, profundo, claro e contundente.

Houve um tempo para perguntas e respostas. Alguém pergunto-lhe algo inusitado e até completamente fora do tema: “Eminência como será o próximo Papa”? Ratzinger sorriu e olhando para todos nós diz com sua tonalidade suave e segura: “Como será não sei, só sei que será um mártir”. Mal sabia que estava se referindo a ele mesmo.

Geralmente temos a tendência a obstaculizar o valor do martírio. Pensamos nele como algo sublime mas ao mesmo tempo como uma realidade distante ou a uma circunstância quase que inexistente. Só que olhando os elementos históricos é baseado na profunda obra do historiador Italiano Roberto Regoli intitulada “Oltre la Crisi della Chiesa”.

Gostaria de junto a este autor refletir três tópicos sobre o Pontificado de Bento XVI. Não quero que percamos de vista o tema do martírio que ao meu ver foi o distintivo dos oito anos de pontificado. Desde o 19 de abril de 2005 até o 28 de fevereiro de 2013 este homem serviu a Igreja com a mesma característica que o fez desde quando sendo criança ainda decidiu dedicar todo o seu ser ao serviço da vinha do Senhor.

Cada momento da sua vida, do seu ministério como teólogo, como bispo na Alemanha como prefeito da congregação da fé e por último como bispo de Roma; sempre serviu ao Seu Senhor. Em primeiro lugar a sua grande incidência no ambiente cultural e acadêmico. Para Bento XVI a cultura humana está plasmada em cada cristão. Em outras palavras a cultura é uma realidade que parte de uma clara defesa do universalismo cristão e, é claro, da missão cristã. Em cada pessoa está plasmado o próprio Cristo.

“A cultura está relacionada com o conhecimento e com os valores, pois é uma tentativa de entender o homem e o mundo. Ou seja, o modo como o homem se insere no mundo e como conhece também a forma correta da comunidade onde vive” (RATZINGER, J. Fé, verdade, tolerância. O cristianismo e as grandes religiões do mundo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2007).

Um segundo elemento sobre o qual podemos analisar o pontificado de Bento XVI é o amor e a verdade como sinal visível da unidade dos cristãos. Desde o início torna-se prioridade do seu pontificado. “Ao interno uma reflexão na qual se toca o tema dos relacionamentos entre religião e razão; em 12 de setembro de 2006; Bento XVI específica o caráter de conduzir um diálogo urgente da fé racional e o seu ponto de partida é o ecumenismo” (REGOLI, R. Oltre la crisi della chiesa, Torino, 2016).

Em 2010 o cardeal Koch que será o presidente do Pontifício Conselho para Unidade dos cristãos dirá claramente: “Dois são as colunas do diálogo ecumênico segundo a proposta teológica do Papa Ratzinger: O amor e a verdade “. (L’osservatore Romano, 15/09/2010).

Um terceiro e último elemento sobre o qual gostaria de refletir a liturgia como restauração e inovação. Para Bento XVI a liturgia constitui a coluna vertebral de uma inovadora forma de entrar em diálogo com muitas pessoas na sua Opera Omnia “Teologia della Liturgia”; ele exprime de modo magno a fundação sacramental da existência crista.

A afirmação do mistério celebrado e de modo especial a inserção no sacramento como sinal vivificador. Os sacramentos pressupõem a continuidade histórica do agir de Deus como o seu lugar concreto na comunidade que vive; que é a igreja. O significado do domingo como o “terceiro dia”; memória concreta que deve ser interpretada como a real Teofania no mundo atual. Tendo sempre presente o simbolismo patrístico do dia do Senhor.

Quantos tópicos poderíamos ainda abordar. Uma vida é uma obra “Magnas” pautadas pela simplicidade e leveza. Agora seu encontro definitivo com seu Amor Definitivo leva-nos a refletir sobre o significado de sermos igreja a caminho da pátria celeste.

Descansa na paz do teu Senhor, servo humilde Bento XVI.

Padre José Rafael Solano Duran, teólogo da PUC - PR.