Número de pessoas forçadas a sair de casa no mundo quase dobra em 1 década
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quinta-feira, 18 de junho de 2020
FLÁVIA MANTOVANI
VIÇOSA, MG (FOLHAPRESS) - O número de pessoas que deixam suas casas forçadas por guerras, perseguições e crises humanitárias no mundo quase dobrou na última década, indo de 41 milhões em 2010 para o recorde histórico de 79,5 milhões em 2019 -o que equivale a 1% da população mundial.
Ao mesmo tempo, com a persistência de conflitos antigos e o surgimento de novos, uma pequena parte deles conseguiu voltar para seus países -3.9 milhões, comparados com quase 10 milhões da década anterior. Com isso, a maioria se vê em uma situação de exílio duradouro.
"O mundo claramente mudou de uma década de soluções para uma década de deslocamentos novos e prolongados", diz um relatório do Acnur (alto comissariado da ONU para refugiados) lançado nesta quinta-feira (18).
O levantamento, feito anualmente e divulgado próximo ao Dia Mundial do Refugiado (20/6), inclui tanto pessoas que se mudam para áreas diferentes dentro do próprio país (deslocados internos) quanto as que atravessam as fronteiras e vão para outros países (refugiados e solicitantes de refúgio).
O ritmo de crescimento dessa população nos últimos dez anos foi mais rápido do que o da população mundial: se em 2010 eles eram 1 de cada 159 pessoas no planeta, agora são 1 em cada 97.
Várias crises contribuíram para esse salto. Entre elas, a guerra da Síria, que já dura nove anos, a situação crítica pós-independência do Sudão do Sul, os conflitos e os problemas climáticos na região africana do Sahel, o fluxo massivo de muçulmanos rohingya de Mianmar para Bangladesh, o ressurgimento da insegurança em países como República Democrática do Congo, Afeganistão, Iraque, Líbia e Somália e, mais recentemente, o êxodo venezuelano.
Em relação a 2018, quando foram registradas 70,8 milhões de pessoas nessa situação, o aumento em 2019 foi de 12,2%. Dos 11 milhões de novos deslocados, 8,6 milhões mudaram de área dentro do próprio país, e o restante pediu proteção fora das fronteiras.
Apenas 317.200 conseguiram retornar a seu país de origem e 5,3 milhões dos deslocados internos voltaram para sua área de moradia original. Muitos deles, porém, encontram perigos nesse retorno e nem sempre conseguem se estabilizar novamente onde viviam.
O crescimento do número geral do último ano é atribuído aos novos deslocamentos na Síria, República Democrática do Congo, Iêmen e região do Sahel, na África, mas também à inclusão de 3,6 milhões de "venezuelanos deslocados no estrangeiro", que não pediram oficialmente refúgio, mas são considerados pela ONU sob a mesma necessidade de proteção que os demais. No total, são 4,5 milhões de imigrantes dessa nacionalidade no exterior.
Com isso, a Venezuela passou a ocupar o segundo lugar no ranking de países de origem dos deslocados internacionalmente. A Síria mantém o primeiro lugar desde 2014 -no fim de 2019, 6,6 milhões de sírios estavam espalhados por 126 países.
Na última década, mais de 80% dos que migraram vêm de apenas dez países. Cinco deles (Afeganistão, Somália, República Democrática do Congo, Sudão e Eritreia) permaneceram entre os dez primeiros ao longo de toda a década, destacando a falta de solução para esses conflitos.
Assim como saem de poucos países, os deslocados do mundo todo também se concentram em poucos destinos. Em 2019, três em cada cinco se encontravam em dez países, a maioria em desenvolvimento, sendo a Turquia o primeiro seguida por Colômbia -que aparece pela primeira vez no ranking-, Paquistão, Uganda e Alemanha.
"A Colômbia sempre foi marcada pelo deslocamento de seus cidadãos, interno ou para outros países. Agora é um dos que mais acolhem pessoas de fora, por causa da migração de venezuelanos", diz Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil.
A Colômbia é o país que teve mais deslocados internos ao longo da década, especialmente devido aos conflitos com guerrilhas.
Com a pandemia do novo coronavírus, fica difícil prever o que vai acontecer em 2020, mas é provável que o número total de deslocados caia devido ao impacto dos fechamentos de fronteiras e das quarentenas nos sistemas de asilo. Por exemplo, o número de pedidos na União Europeia caiu 43% de fevereiro para março.
"Embora a gente reconheça a necessidade dos países de estabelecerem essas medidas preventivas na crise sanitária, esperamos que elas não se tornem constantes, que as pessoas que buscam proteção voltem a circular e que os procedimentos de análise de pedidos de refúgio sejam retomados", diz Godinho. "Também pedimos que os países incluam essas pessoas nas respostas à pandemia, como nos auxílios emergenciais e no sistema de saúde pública."
Maior êxodo na história recente da região e uma das maiores crises de deslocados do mundo, o caso da Venezuela ganhou destaque no relatório. Os venezuelanos foram os que mais entraram com novos pedidos de refúgio em 2019 no mundo (430 mil, no total), superando de longe os afegãos (105 mil). O número de imigrantes dessa nacionalidade em situação irregular também cresce -é o caso de 50% dos que estão na Colômbia, por exemplo.
O Acnur recomenda que os países sigam a Declaração de Cartagena, de 1984, que amplia a definição dos critérios para conceder refúgio para além da perseguição individual. A situação do país sul-americano é classificada como "violação grave e generalizada de direitos humanos", algo que já foi adotado, por exemplo, pelo Brasil, que tem feito mutirões de aprovação de pedidos de refúgio de pessoas dessa nacionalidade.
O Brasil tem 43 mil refugiados reconhecidos, de acordo com o Ministério da Justiça, dos quais 38 mil são venezuelanos.