Cairo, Egito - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontrou na manhã desta quinta-feira (15) com o ditador egípcio Abdel Fattah al-Sisi, no Cairo, e voltou a criticar Israel por sua operação militar na Faixa de Gaza. Em pronunciamento ao lado de Sisi, Lula afirmou: "O Conselho de Segurança não pode fazer nada na guerra entre Israel e [o Hamas na] Faixa de Gaza. A única coisa que se pode fazer é pedir paz pela imprensa, mas me parece que Israel tem a primazia de não cumprir nenhuma decisão emanada da direção das Nações Unidas".

No mês passado, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da ONU, determinou que Tel Aviv tomasse medidas para evitar ações que pudessem levar ao genocídio do povo palestino, após petição feita pela África do Sul. O tribunal, porém, não determinou cessar-fogo imediato, e Israel manteve sua ofensiva e o cerco ao território palestino. O Brasil apoiou a demanda sul-africana.

Lula declarou, mais uma vez, que "o Brasil condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque a Israel e o sequestro de centenas de pessoas. Chamamos o ato de ato terrorista". O presidente, no entanto, tornou a condenar a reação de Tel Aviv. "Mas não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel, a pretexto de derrotar o Hamas, estar matando mulheres e crianças, coisa jamais vista em qualquer guerra de que tenho conhecimento."

O presidente cobrou novamente uma reforma do sistema multilateral e de seus órgãos, em especial o Conselho de Segurança. "O que é lamentável é que as instituições multilaterais que foram criadas para ajudar a solucionar esses problemas não funcionam." Segundo ele, "é preciso que membros atores do Conselho de Segurança sejam atores pacifistas e não atores que fomentem a guerra".

Lula está no Cairo para tratar da guerra Israel-Hamas e da liberação dos brasileiros que ainda se encontram na região.

A conversa ganhou uma nova importância nos últimos dias, com o anúncio de Israel de ampliar suas operações militares na cidade de Rafah, que é a única saída da Faixa de Gaza. A cidade concentra civis, entre eles mulheres e crianças, que fugiram do conflito em outras regiões palestinas.

A primeira parte da fala de Lula foi toda feita de improviso. Depois, ele passou a ler um discurso, no qual novamente abordou a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Lula então também voltou a defender a construção de um Estado palestino viável economicamente e soberano.

"É urgente estabelecermos um cessar-fogo definitivo que permita a prestação de ajuda humanitária sustentável e desimpedida e [também a] imediata e incondicional liberação dos reféns", afirmou.

"O Brasil é terminantemente contrário à tentativa de deslocamento forçado do povo palestino. Por esse motivo, entre outros, o Brasil se manifestou em apoio ao processo instaurado na Corte Internacional da Justiça pela África do Sul. Não haverá paz sem um Estado palestino convivendo lado a lado com Israel dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas", declarou.

Lula está em viagem de três dias ao continente africano, onde também vai passar pela Etiópia. O brasileiro foi recebido por Sisi por volta de 11h (6h, no Brasil), em uma grande cerimônia oficial no palácio presidencial do Egito.

Na sequência, os dois passaram para uma reunião bilateral fechada, na qual o conflito em Gaza seria um dos principais assuntos da pauta. Segundo interlocutores, Lula iria inicialmente agradecer ao ditador egípcio por ter auxiliado nas ações de evacuação de brasileiros que estavam na zona de conflito.

Além disso, deveria solicitar apoio para retirar os brasileiros que ainda se encontram na região. Segundo o escritório do Brasil em Ramallah, há atualmente 10 cidadãos com dupla nacionalidade e outros nove familiares deles ou pessoas em processo de imigração.

A nova escalada nas ofensivas de Israel gerou um alerta, por causa do potencial impacto sobre civis, em particular mulheres e crianças.

O Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota na terça-feira (13) na qual afirma que haveria "graves consequências", se Israel seguisse adiante com seu plano de ampliar as operações militares na região de Rafah.

"O governo brasileiro recebe, com grande preocupação, o recente anúncio, por parte de autoridades israelenses, de preparação de nova operação militar terrestre em Gaza, desta vez no Sul, na região de Rafah, na fronteira com o Egito", afirma o texto.

"Tal operação, se levada a cabo, terá como graves consequências, além de novas vítimas civis, um novo movimento de deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos, como vem ocorrendo desde o início do conflito", completa.

Lula e Sisi assinaram dois acordos de cooperaçãoainda vão assinar alguns acordos de cooperação, nas áreas de comércio, agricultura e ciência e tecnologia. Também devem anunciar o lançamento de um voo direto do Cairo a São Paulo.

Após o encontro com o ditador egípcio, Lula cumprirá agendas na sede da Liga Árabe, também no Cairo, onde terá um encontro com secretário-geral da organização, Ahmed Gheit. Ele também deve discursar em uma sessão plenária extraordinária, com uma fala em defesa do cessar-fogo, condenando as vítimas civis do conflito, em especial mulheres e crianças, e defendendo um Estado Palestino viável economicamente.

Além da ofensiva de Israel, a chegada de Lula ao Cairo também coincide com negociações em busca de um cessar-fogo que acontece na mesma cidade. Participam do processo Egito, Israel, o grupo terrorista Hamas, Qatar e Estados Unidos.

Mesmo com a presença de Lula na região, o Brasil não deve participar dos esforços para tentar solucionar o conflito no Oriente Médio. No entanto, especialistas avaliam que as falas de Lula, tanto ao lado de Sisi como na Liga Árabe, têm capacidade para ganharem amplitude, por causa do momento.

Antônio Jorge Ramalho, professor do departamento de Relações Internacionais da Unb, afirma que o timing é conveniente para amplificar a mensagem do Brasil, embora a posição brasileira não tenha a capacidade de mudar a conduta de Israel nesse momento.

"A escolha das datas guarda relação com o sentido de urgência para propor cessar-fogo. Veja que não inova em relação ao que o Brasil fez na presidência do Conselho de Segurança da ONU. A situação no terreno agravou-se muito e o Brasil é dos poucos países a propor solução equilibrada. Está certo nisso e guarda relação com a posição histórica da PEB (Política Externa Brasileira)", afirma.